José Manuel Rodrigues
Alentejo Sagrado, José Manuel Rodrigues (imagem a partir de um postal dos Encontros de Fotografia de 1996).
Desde Terça-feira que andava com uma vontade enorme de escrever sobre os três dias que passei com o José Manuel Rodrigues. Vinha de Lisboa e só queria chegar a casa e procurar o conjunto de postais dos Encontros de Fotografia de 1996, para confirmar se algum era de uma fotografia do José Manuel Rodrigues. E era. A minha memória, também. O postal correspondia à minha memória das fotografias do José Manuel Rodrigues. Com os Encontros de Fotografia, construí muitas das referências que ainda hoje persigo. A minha paixão por Alfredo Jaar, por exemplo. Os Encontros eram uma espécie de instituição na cidade e, quando passaram a ser de dois em dois anos, foi um choque. Todos os anos, por exemplo, ia, pela escola (Avelar Brotero), ver as exposições dos Encontros, de tal forma que estavam enraizados na vida da cidade.
O José Manuel Rodrigues pertencia, até este Domingo, a essa memória e a todo o fascínio que ainda sinto pelos Encontros (talvez agora com alguma nostalgia e não gosto da palavra). Jamais poderia imaginar todos os momentos em que o acompanhei. Jamais poderia imaginar a sua humildade, a sua simplicidade. A forma como olha pela câmara. Observava-o, por vezes, de longe (não queria interferir de modo algum com a sua concentração, embora, muitas vezes, sucumbisse ao desejo de lhe falar sobre tantas coisas, tantas coisas que, afinal, viríamos a partilhar) a espreitar pela câmara, de olhar posto naquele ponto que me disse "depois parece flutuar." A sua silhueta ao longe, pela forma peculiar de se colocar atrás da câmara, lembrava-me, por exemplo, Tati. Mas sem o jeito desconcertado e em vez da bengala, o tripé. Do cachimbo, os óculos. O jeito, o mesmo. Qualquer coisa comum, que não se exprime em palavras. Como as suas fotografias.
Falámos sobre muitas coisas e estou-lhe imensamente grata pelo que aprendi. Falámos, por exemplo, sobre a fotografia de obras de arquitectura. Existe, na obra do José Manuel Rodrigues, uma clara distinção entre fotografia artística (à falta de uma designação minha melhor) e fotografia de obras de arquitectura. O objectivo desta última é, necessariamente, criar um registo de uma determinada obra de arquitectura, sem criar uma fronteira entre a realidade e a fabricação de uma imagem (o uso da imaginação), porque essa fotografia é a apresentação dessa realidade. Num determinado momento, o José Manuel Rodrigues exclamou: "Bem, já estou a fabricar um espaço que não existe!" "É, exactamente, isso!", exclamei de alegria. Para mim, a fotografia de uma obra de arquitectura não deve apenas apresentar essa obra. Fotografia e arquitectura são duas coisas distintas, mas há um momento em que as duas podem construir uma visão nova sobre uma determinada realidade. E, no caso a que José Manuel Rodrigues se referia, não existia sequer manipulação da realidade (que é possível, mesmo antes da manipulação pela fotografia). Essa nova visão é tão mais extraordinária, quanto o olho que a constrói. E esse é o do José Manuel Rodrigues. É o olho do fotógrafo (e não o do arquitecto). Num outro momento, enquanto procurava o "tal ponto," o José Manuel Rodrigues chamou-me a atenção para uma determinada característica do espaço e como esta, nessa procura do ponto preciso, precioso, se revelava. Benjamin diria que aquela fotografia acabara de revelar o inconsciente da realidade e a sua descoberta, como o próprio José Manuel Rodrigues, entretanto, acrescentara, só fora possível através da câmara. Do olho mecânico. É essa a beleza da fotografia. O olho do José Manuel Rodrigues funde-se, totalmente, com o olho mecânico da sua Canon, numa relação íntima indescritível. Jamais o esquecerei.
O José Manuel Rodrigues pertencia, até este Domingo, a essa memória e a todo o fascínio que ainda sinto pelos Encontros (talvez agora com alguma nostalgia e não gosto da palavra). Jamais poderia imaginar todos os momentos em que o acompanhei. Jamais poderia imaginar a sua humildade, a sua simplicidade. A forma como olha pela câmara. Observava-o, por vezes, de longe (não queria interferir de modo algum com a sua concentração, embora, muitas vezes, sucumbisse ao desejo de lhe falar sobre tantas coisas, tantas coisas que, afinal, viríamos a partilhar) a espreitar pela câmara, de olhar posto naquele ponto que me disse "depois parece flutuar." A sua silhueta ao longe, pela forma peculiar de se colocar atrás da câmara, lembrava-me, por exemplo, Tati. Mas sem o jeito desconcertado e em vez da bengala, o tripé. Do cachimbo, os óculos. O jeito, o mesmo. Qualquer coisa comum, que não se exprime em palavras. Como as suas fotografias.
Falámos sobre muitas coisas e estou-lhe imensamente grata pelo que aprendi. Falámos, por exemplo, sobre a fotografia de obras de arquitectura. Existe, na obra do José Manuel Rodrigues, uma clara distinção entre fotografia artística (à falta de uma designação minha melhor) e fotografia de obras de arquitectura. O objectivo desta última é, necessariamente, criar um registo de uma determinada obra de arquitectura, sem criar uma fronteira entre a realidade e a fabricação de uma imagem (o uso da imaginação), porque essa fotografia é a apresentação dessa realidade. Num determinado momento, o José Manuel Rodrigues exclamou: "Bem, já estou a fabricar um espaço que não existe!" "É, exactamente, isso!", exclamei de alegria. Para mim, a fotografia de uma obra de arquitectura não deve apenas apresentar essa obra. Fotografia e arquitectura são duas coisas distintas, mas há um momento em que as duas podem construir uma visão nova sobre uma determinada realidade. E, no caso a que José Manuel Rodrigues se referia, não existia sequer manipulação da realidade (que é possível, mesmo antes da manipulação pela fotografia). Essa nova visão é tão mais extraordinária, quanto o olho que a constrói. E esse é o do José Manuel Rodrigues. É o olho do fotógrafo (e não o do arquitecto). Num outro momento, enquanto procurava o "tal ponto," o José Manuel Rodrigues chamou-me a atenção para uma determinada característica do espaço e como esta, nessa procura do ponto preciso, precioso, se revelava. Benjamin diria que aquela fotografia acabara de revelar o inconsciente da realidade e a sua descoberta, como o próprio José Manuel Rodrigues, entretanto, acrescentara, só fora possível através da câmara. Do olho mecânico. É essa a beleza da fotografia. O olho do José Manuel Rodrigues funde-se, totalmente, com o olho mecânico da sua Canon, numa relação íntima indescritível. Jamais o esquecerei.
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