quarta-feira, abril 16, 2008

The last written word

Não é drama algum. Este é apenas o meu último post. Ando a adiar o fim deste blogue já há algum tempo. Adiei, adiei, a pensar que talvez aqui, em Nova Iorque, conseguisse escrever, impulsionada por todas as coisas fantásticas, que iria certamente encontrar. A mesma sensação que tive, por exemplo, em Barcelona. E lá, de facto, escrevi bastante nos primeiros tempos. Mas, poderei dizer que não sou a mesma pessoa? Sou, mas há coisas na minha vida, hoje, mais importantes do que a minha escrita ou do que tudo o que possa encontrar nesta cidade e que me faça escrever. Hoje, só consigo dizer que tenho saudades. Tenho saudades do meu marido (incomensuráveis saudades), da minha família, dos meus amigos, da minha carrinha. Tenho saudades de calçar as minhas sapatilhas, colocar o ipod em shuffle e andar pela cidade, pensar em todos os problemas que assaltam o meu pensamento. Perder-me nas dúvidas, nas entrelinhas, nas histórias que construo. Tenho saudades...

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

First we take…

Berlin, then we take Manhattan... Uma pequena inversão à canção de Leonard Cohen. Pelo meio, uma viagem rápida a Londres, cujo único registo, a valer a pena, é o da memória da exposição de Louise Bourgeois, na Tate Modern. Regressei desolada, desencantada, de Londres, uma das cidades do meu imaginário que ainda não tinha visitado. Deverei, talvez, resguardar algum sentimento de carinho que possa, um dia, eventualmente, sentir ainda por Londres. A visita foi rápida, também. Apenas um fim de semana para ver a exposição de Louise. O parênteses devido: um maravilhoso encontro. A exposição estava, extremamente, bem montada, acompanhada por pequenos textos sobre as obras em cada uma das salas, muito precisos, sem aqueles erros comuns sobre a obra de Louise. Porque, depois de Berlim, todas as cidades parecem ridículas. Com a excepção de uma: Nova Iorque. A Nova Iorque, regresso daqui a quinze dias e para ficar. Pelo menos, algum tempo, que será precioso neste momento. Há uns dias atrás, temia imenso esta viagem. Mais do que a mudança definitiva para Lisboa, a mudança para Nova Iorque vai ser demasiado violenta, demasiado brusca. Receio mesmo ainda não estar preparada. Mas o que é que eu posso fazer? Não podia adiar mais a minha ida. Há demasiadas coisas em jogo. Agora, com a proximidade da viagem, começo a sentir a ansiedade de rever aquela cidade extraordinária, começo a sentir aquela vontade louca de ir ali e acolá, a escassez do tempo, fazer isto e aquilo... Já só penso em Nova Iorque. Revejo filmes, imagens tão familiares, mas sempre sedutoras. Não consigo deixar de pensar em Nova Iorque. Entretanto, a minha cabeça entrará em modo de abstracção pura. Sim, creio que passa lá a maior parte do tempo. Mas, desta vez, terá de ser mais eficaz. Há sentimentos, emoções, sensações, dos quais é difícil abstrairmo-nos. Por enquanto, o grau de excitação ainda é superior a tudo isso. Mas... depois... Adiante.
De volta a Berlim. Já há muito que devia ter escrito sobre Berlim. Berlim, apenas. Vou conter-me e limitar-me a falar da cidade! Ainda este fim de semana, ao reencontrar o José Manuel Rodrigues, com quem tinha imensas saudades de conversar, relembrámos, alegremente, por entre exclamações de saudades, as coisas fantásticas de Berlim. Os cafés. Em palácios antigos, casas de literatura, o melhor Apfel Strudel do Mundo! O pequeno-almoço, a qualquer hora do dia. Longo. Pela tarde fora, saltando o almoço. Não querendo saber do almoço, saber do tempo. O tempo em Berlim é, exactamente, aquele das Asas do Desejo. Lento, extenso, intenso. E o cinzento do céu não é senão aquele cinzento de uma espera longa num dia infinito... Em Berlim, dormíamos a sesta. Ao fim da tarde, antes de nos prepararmos para sair para jantar e dançar. Se nos deixassem (os nossos corpos, também, de algum cansaço), ficaríamos acordados até de manhã. A luz é sempre a mesma. A temperatura, também. Muito frio. Mas Berlim é perfeita para se andar a pé. Mesmo de noite, duas, três da manhã, sem avistar uma única pessoa, pelas avenidas imensas de Berlim Leste, com seis graus negativos... Berlim fervilha. É preciso estar atento. É muito diferente de Nova Iorque, por exemplo. Como James Murphy canta, o ritmo alucinante de Nova Iorque dá cabo de nós, fazendo-nos sentir pequeninos, impotentes, fazendo-nos ficar para trás... Arrasa connosco. É quase impossível mantermo-nos a par. Berlim, não. Mantém aquele tempo, de que ainda há pouco falava, e, ao mesmo tempo, não pára. Há imensas coisas a acontecer. Há sempre imensas coisas para fazer. Mas há, também, tempo, aquele tempo... De uma espera, que não é espera alguma, mas o tempo que é preciso para se apreciar as coisas. Para viver intensamente. Não consigo esquecer a imagem contemplativa de Maximiliam Hecker, mesmo ao nosso lado, enquanto passava música... Agora, depois dos dias em Berlim, consigo compreender por que é que existem tantos músicos a escolher Berlim para viver: Erlend Oye, Maximiliam Hecker, Jamie Lidell... Por que é que tantos escolheram um dia lá viver: Nick Cave, David Bowie, Iggy Pop... Por que é que tantos realizadores filmaram Berlim de uma forma única. E Berlim, passados alguns anos da Berlim que também povoava um dia a minha imaginação, continua incrível como sempre... Não sei quando é que lá regressarei. Sei que desejo voltar um dia. Para já, preparo o regresso a Nova Iorque.

A Susana L., um dia, enviou-me uma mensagem, extremamente magoada comigo, a reclamar o seu direito de leitora assídua deste blog. Tinha saudades de me ler, dizia. Também eu tenho saudades de conseguir escrever. Não tem sido fácil. Ainda não consegui perceber o meu novo mecanismo. Acho que é isso. Ainda não consegui ter espaço, dentro de mim, para escrever. E não me estou a referir a esta escrita de circunstância, como as conversas de circunstância que se têm ao longo da vida, mas àquela escrita, em que me sinto dentro de cada uma das palavras. Eu, disseminada, em cada, por cada, uma das palavras... Farei um esforço. É engraçado, porque, normalmente, os meus períodos de escrita correspondem a períodos de introspecção, de afastamento, de solidão quase... Voltarei a escrever. Quem sabe, a partir de Nova Iorque?

segunda-feira, novembro 12, 2007

Publi #02

Depois de "E o elevador irrompeu em direcção ao céu, atravessando as nuvens, rumo ao infinito..." (em NADA 10), a história "O ovo e a galinha" aparece em www.dafne.com.pt (colecção opúsculos).

Publi #01

NADA 10: JÁ NAS BANCAS!

domingo, novembro 11, 2007

O mistério do texto desaparecido

Diz, quem lê este blog, que um dia um texto desapareceu. Talvez tenha mesmo existido um texto e talvez eu o tenha apagado. Talvez eu já não gostasse dele. Talvez nem sentido fizesse. Talvez entre a existência (virtual) do texto e o seu desaparecimento se tivessem passado pouco mais de horas. Se alguma vez o texto existiu. Se alguma vez desapareceu. E, agora, aqui, neste texto, talvez o mais importante não seja esse outro que desapareceu, mas o tempo – oh, o tempo! – entre os dois momentos. O tempo entre a existência do texto e o seu desaparecimento. Ou, simplesmente, o tempo entre dois acontecimentos.
Tudo, porque já não escrevo há algum tempo. A verdade é que não tenho tido paciência para escrever. Talvez não seja paciência. Talvez vontade. Um mau começo. Este texto já se escreve com demasiados talvez. Talvez não precise de o escrever sequer. Ou talvez precise. Chega ao ponto de irritar. Sentir-me amorfa. Os últimos dias. O que é contraditório com tudo o que sinto dentro de mim e que é totalmente novo. São sentimentos novos, inexplorados até há meses atrás. A diferença do tempo. Às vezes, apetece-me escrever um texto sem nexo. Um texto talvez com demasiados talvez. Textos sérios já escrevo demasiado. E, mesmo nesses, tento dar sempre a volta. Dar a volta. Dá-me vontade de rir! Quantas vezes não queremos dar a volta a alguma coisa? Dar a volta ao tempo? Oh, quem me dera! Acelerá-lo até... Até? Ah, é fácil pensar até quando. Dezembro. Fim de Dezembro. E escrever um texto com demasiadas interjeições? Não me apetece fazer qualquer esforço para escrever, para pensar, pensar enquanto escrevo, escrever enquanto penso. Perdi-me. Perder-me nas palavras, parece que nem isso já sei fazer. Perder-me a mim nas palavras. Cada bocadinho de mim em mil e uma palavras alastradas por um texto infinito. Eu, completamente dissipada. Sobre o que é que eu queria escrever? Ah! Sobre o tempo entre dois acontecimentos. E quanto o tempo não significa coisa alguma. A minha recordação dos dois concertos dos Interpol (o primeiro no SB SR, no dia 5 de Julho e o último na Quarta-feira, dia 7 de Novembro) confirma esta regra. Mas, neste caso, nem é o tempo entre os dois concertos, mas o tempo específico de cada um. O dia. Aquele dia. Aquelas horas. E o intervalo do tempo que, ao contrário dos meses que passam rigorosos e austeros, amplia todas as noções que tinha e tenho de mim. Um passado longínquo e um presente infinito. Como é que é possível reunirem-se assim?
Ah, sobre o concerto! Já não tenho mais interjeições para escrever e os talvez não fazem sentido. Foi real. É tudo real.

sexta-feira, outubro 05, 2007

"São apenas palavras."

“São apenas palavras,” Martin Frost.

Confesso: estava nervosíssima. Não tinha motivo algum, apenas o de vislumbrar de longe um dos meus escritores preferidos. Mas, a imagem que dele construíra, ainda que desse olhar de longe, distante em tudo, era essa de um homem inatingível. Creio que as palavras quando são sublimes, perfeitas, parecem-nos irreais (como quase todas as coisas sublimes e perfeitas), fazendo-nos acreditar que jamais poderiam sair (nascer) dos confins do pensamento de alguém, que é idêntico a nós, que gosta de coisas simples como nós. E Paul Auster é tão simples, que a sua simplicidade confunde-nos ainda mais. Já não bastava duvidar da existência das palavras como reais, como elas, afinal, dizem coisas tão simples quanto a sua própria banalidade. “São apenas palavras.” O que são as palavras comparadas com um grande amor? Martin não hesitou. Não são nada. E esta foi apenas uma das coisas em que me revi em “The inner life of Martin Frost.” Tal como nos livros de Paul Auster, o caminho até às palavras não é directo. Não é o caminho até ao seu significado, mas o salto que se tem de dar, para se compreender o reflexo da palavras em nós. A sua ressonância. O seu eco. Por isso tanto admiro Paul Auster (e já aqui escrevi várias vezes sobre esta minha admiração ou sobre a sua contaminação nas minhas próprias palavras, no meu pensamento). As palavras serão sempre insuficientes, quando dizem a melhor coisa do mundo. Nada mudou desde há alguns posts atrás.
Logo no início do filme, Martin conta como as histórias aparecem, de repente, na cabeça com uma estranha definição. Num minuto não estão lá e, quando menos se espera, na volta de outro e novo minuto, já lá estão, como se tivessem sempre estado lá. E a definição é estranha, porque os contornos estão todos definidos, com uma clareza assustadora, impedindo-nos de corrigir um pormenor que seja. Já há muito que sinto isto. Lembro-me de outro post sobre este assunto. Não é por Martin ser escritor que revejo nele muitas das ideias que já passaram algum dia pela minha cabeça. Mesmo quando estou ocupada a pensar num projecto, numa pequena ideia para algum objecto, acontece-me, exactamente, o mesmo. Apetece-me pensar que é próprio do mundo das ideias. Da ciência das ideias (recuperando o título desse post). Uns minutos à frente, perto do fim do filme, Martin é confrontado com a sua tristeza e responde a Fortunato (a personagem divertida de Imperioli) que acabara de escrever uma história, dando-lhe essa impressão de um sentimento de vazio, de ressaca, de melancolia, quando se termina de escrever uma história, uma vida, que lhe ocupara todos os minutos da sua existência até então. É verdade. É uma outra vida paralela, que nos faz esquecer a nossa, que corrói a nossa, tão forte que surge na nossa cabeça, que deixamos de pensar por nós e passamos a ser outros e outras coisas (para relembrar outra minha paixão...). Na realidade, Martin apenas dera esse sentimento como desculpa, pois o que sentia era a ausência de Claire. Mesmo desculpa, no entanto, esse sentimento atingia-o. E Claire existia apenas na história. Só a história lhe dera existência.
Depois, existem aquelas imagens lindíssimas que, quando fechamos os olhos a pensar num determinado filme, nos vêm à cabeça. O filme não é um filme extraordinário (como disse o Gonçalo), embora lendo-se Paul Auster não se possa senão gostar daquele filme, das sucessivas e subtis citações à sua própria escrita. Ali, o que está em causa, talvez não seja mesmo o cinema, mas a palavra filmada. A sublinhar o facto da própria história ser sobre um escritor e tudo o que acontece dentro da cabeça de um escritor, quando este se apercebe que as palavras são apenas palavras e, no entanto, nunca deixam de ser palavras vivas. Que dizem até a sua própria vida. Que criam a sua vida, que não existe sem elas. Retenho com uma enorme precisão os momentos que achei mais bonitos. Uma sequência em particular: o escritor/narrador fala sobre formas. Uma primeira imagem das estranhas formas que o fumo, de um cigarro talvez, desenha sobre um fundo preto. O fumo de uma chaleira, era, no entanto, esvaindo-se lentamente no ar. As formas onduladas de uma cortina que deixa passar as pequenas partículas de luz para dentro da sala que não se vê. As formas, a estranheza das formas, como são tão belas que não conseguimos explicar, mesmo com palavras. Talvez seja essa outra das dificuldades das palavras: igualarem-se a imagens tão belas quanto aquelas. É aí, também, que a palavra filmada se torna mais complexa e difícil. Outras imagens inesquecíveis: Claire a desmaiar e a cair na relva num gesto perfeito. A inclinação do seu corpo, a rotação do seu torso, o peso que desaparece da própria imagem. Não é o corpo de Claire a cair que é filmado, mas o desmaio, enquanto perda total de um peso que nos prende à terra. E outra: a imagem do pneu, que Martin tivera de comprar para trocar o pneu furado, a deslizar, com toda a velocidade, pela estrada. Mais uma vez, não é o pneu que é filmado, mas a sua velocidade e, no fim, a sua aleatoriedade e diversão. É uma sequência única que nos faz querer ser pneu. Tudo o que a imaginação permite. Afinal, o que seria da nossa vida interior sem imaginação? E a imaginação sem coincidências?

sexta-feira, setembro 28, 2007

F...


Há dias que trago um texto na minha cabeça. Aparece de vez em quando com uma extraordinária definição que, julgava eu, assim que me sentasse para o escrever, ele se escreveria a si próprio. Mas, não. Aliás, cheguei agora mesmo à conclusão, que ele só aparecia na minha cabeça, porque eu sentia a necessidade de o escrever. De escrever as frases que passavam pelo meu pensamento àquela hora. Poderia começar este texto de outra forma. Há dias assim, em que nos apetece escrever FUCK no vidro da frente do nosso carro e passar, em câmara lenta, por uma avenida infinita, com árvores de um lado e de outro, e imaginar-nos rente aos seus ramos, às suas folhas, fechando os olhos, esquecendo toda a revolta que ficou uns metros, quilómetros, talvez, atrás... E quando esse dia se multiplica, que deixo de ver o que está à frente dos meus olhos e embato numa árvore? O capot do carro desfeito e eu intacta, a sair do carro, perplexa a olhar para o fumo cinzento que dele sairia. A mesma razão por este texto já não ser o texto que aparecia com extraordinária definição na minha cabeça. Num momento pensei que deveria escrevê-lo para esquecer definitivamente todas as frases que ocupavam e obstinavam o meu pensamento. Ainda ontem julgava sentir essa necessidade. Iria ser um péssimo texto (não que este seja melhor...). Um texto cheio de frases amargas, revoltadas, irritadas. Pôr um ponto final antes mesmo da existência de um texto. Todos os pontos finais deste serão certamente esse ponto final. Tudo o que fica para trás. A imensa avenida de árvores de um lado e de outro. Todos os pensamentos obstinados e revoltados. Tudo o que seja cinzento. Rewind. Em nenhum dia me apetece escrever FUCK no vidro da frente do carro. Mas apetece-me todos os dias fechar os olhos (não me apetece, fecho interminavelmente, sem noção do tempo ou do espaço) e sentir o vento tocar a minha pele como se eu não soubesse que era o vento que me tocava.

quinta-feira, setembro 06, 2007

De regresso

para G
Regressei a Coimbra já há alguns dias. Aliás, agora que penso no tempo dessa forma, regressei, precisamente, há uma semana. Mentiria se dissesse que tinha uma vontade enorme de voltar a escrever. Não tinha, é verdade. Mas, então, por que escrevo? Agora, neste momento? Até poderia dar uma resposta bonita, a mim própria, mas, mais uma vez, iria enganar-me. Poderei eu ter deixado de gostar de escrever? Creio que não... E, no entanto, coloco reticências. Há momentos assim. Creio que desta vez é a sério. Que as palavras serão sempre insuficientes para dizer as coisas, para dizer as sensações. Não estou a atravessar uma fase. Esta, será eterna. Nem partilho a angústia de Hofmannsthal, por exemplo. Não conseguirei abandonar a escrita a esse ponto, porque ainda continuarei a precisar dela para sobreviver. Porque ainda preenche uma parte de mim. Mas, agora, essa parte é ínfima, para não dizer prescindível. Porque continuo a gostar de escrever. Apenas sei, no meu íntimo, que não voltarei a escrever como antes. Agora, neste momento, escrevo, porque regressei à escrita de outra forma. Cumpro o que propus fazer, escrever. E faço-o com prazer (nem poderia ser de outra maneira!). Mas, por tudo o que sinto, as palavras não correm nas minhas veias como antigamente... e, novamente, um esforço terei de fazer para voltar a escrever. Hesitei. Hesitei por entre esse medo enorme de as palavras perder para sempre. O custo? Não existe. Como em tudo quando se ama. Mas, aqui e agora, tenho de fazer esse esforço para conseguir voltar a escrever. E resistir a contaminar as minhas palavras com a maior alegria de sempre.
Não escreverei sobre o meu tempo de exílio. Simplesmente, não consigo e duvidarei um dia conseguir. Talvez sejam, agora, as palavras a precisarem de tempo, para se acomodarem à sua nova condição. O meu, terminou. Uma ilha visitei. E, de certo modo, continuo a visitar, a ir lá na minha imaginação, em todas as coisas que faço e vejo e sinto. A imagem serve, apenas, para confundir. A ilha que aparece na minha imaginação tem outro nome. Mas, de regresso: não deixarei de escrever. Volto, apenas, ao início deste blog: a um exercício das palavras, quando preciso de as escrever melhor do que nunca. E, novamente, a esse medo terrível de as palavras falharem. E, no entanto, com essa certeza: falham sempre quando dizem a melhor coisa do Mundo!

segunda-feira, julho 23, 2007

Dar tempo

Simplesmente, não escreverei. Hesitei até tomar uma decisão. E, agora, ei-la. Preciso, neste momento, daquele tempo que nunca tenho. Não tem a ver com férias. Mas, com uma necessidade que venho a sentir já há algum tempo. A de tê-lo na palma das mãos e passá-lo, de uma para a outra, lentamente e ver o mundo todo sem me tocar. Preciso assim de um tempo sem tempo. Sem mundo. Sem escrita. Imaginarei sem palavras à beira-mar. Imaginarei sonhos mudos. Ouvirei tudo, todos, o ínfimo som, menos a mim mesma. Bem sei, é sempre nesta altura que me dá para isto. É qualquer coisa no som que só ouço aqui. O som imenso do vazio. E o vento nos eucaliptos junto à janela do meu quarto...

terça-feira, julho 17, 2007

5 livros e...

O Nélio (www.ventosdosul.blogspot.com) fez-me um convite, que aceito humildemente. Já há muito que penso nos livros que vou ler nos próximos tempos, que não sejam aqueles que tenho de ler por obrigação (que, no meu caso, é sinónimo de pretexto apenas, porque arranjo sempre uma desculpa, perdão!, justificação, para o que leio por obrigação ser o que leio por paixão), o que me fez pensar nessa lista de 5 livros que nos acompanham sempre (até à eternidade). Introduzo, no entanto, uma pequena variante. Consequência dos meus sempre pensamentos desorganizados, disformes, múltiplos. Por que não pensar em cinco músicas como banda sonora desses cinco livros?
1. Alice's Adventures in Wonderland, de Lewis Carroll & Silly Lily, Funny Bunny, de Maximilliam Hecker. Não é apenas a afinidade que existe entre as personagens de ambos, nem porque este blog tem muito de um e de outro, mas talvez porque preciso, constantemente, de os relembrar. Assim, juntos!
2. The Brooklyn Follies, de Paul Auster & NYC, dos Interpol. Ainda no outro dia estava a falar com o Gonçalo sobre as músicas fantásticas que existem sobre Nova Iorque e parece quase óbvio relacionar Paul Auster e Nova Iorque. Mas, naquela cidade, as aparências seguem um outro curso... E a escrita nunca deve ser aparente. Ou, deve ser aparente para seguir outro curso, também...
3. A Morte em Veneza, de Thomas Mann (deveria aqui colocar, também, o filme magistral de Visconti, porque nem um nem outro consigo ler e ver a não ser em determinados momentos, perfeitos... tremo ainda e sempre) & F- word, de Jens Lekman.
4. Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf & She's Lost Control, dos Joy Division. Virginia Woolf e Joy Division têm em mim um poder comum: quando deixo de acreditar por momentos, breves momentos, nas palavras e nas músicas, ouço as suas vozes. É incrível o poder que têm! Talvez as suas vidas, também, se misturem de uma forma única...
5. O Amor, de Marguerite Duras & Summer On the Westhill, dos Kings of Convenience. Para mim, não existe autora alguma que escreva o tempo como Duras o escreve. Aquele tempo que nos mostra os nossos próprios movimentos em câmara lenta. E os kings of Convenience têm essa particularidade, também, de cantar o tempo, um outro tempo, uma atmosfera, carregada de partículas de água a flutuar e a pousar lentamente na nossa pele. Um súbito calafrio. Ah! E porque adoro o cheiro a protector solar e ainda tenho areia no meio do livro... Existem livros assim. Este é um deles, para mim.

6. Convidam-se 5 (ou mais) pessoas a pensar nos seus 5 livros (com ou sem banda sonora...).

domingo, julho 15, 2007

A Ciência das Ideias

Ontem, enquanto arrumava um dos armários do sótão, apeteceu-me imenso rever as fotografias de Nova Iorque, que aí guardara. As saudades já são muitas. Coloquei duas de parte, ambas tiradas no MOMA: uma da maqueta do Eyebeam Museum of New Media, de Diller + Scofidio, e outra de uma mesa em contraplacado. Muitas vezes, desconhecemos de onde vêm determinadas ideias que temos, parecendo-se com memórias vagas, que não conseguimos localizar no tempo, porque nunca existiram. Outras vezes, são imagens que aparecem, espontaneamente, na nossa cabeça, mas como se já nos perseguissem há muito. Outras vezes ainda, reconhecemo-nos, repentinamente, como nunca, numa coisa, que parece concentrar, em todas as suas partículas, todo o nosso ser.
Nos últimos meses, tenho andado completamente, completamente, apaixonada por curvas e, no meu percurso "back to the classics", regressei, também, a Aalto. Uma pequena aventura a que os Eames, por exemplo, também, pertencem. Ainda não consigo localizar, com precisão, esta minha paixão. É um hábito que tenho. Também, sobre ele já falei aqui, sobre as coisas de que gostamos e que, constantemente, reaparecem na nossa história, construindo em nós mesmos, outras histórias, paralelas, que são apenas delas. Creio que, para mim, essa é uma tarefa facilitada por um outro hábito que tenho, o de guardar tudo: papéis, caixas de perfumes, extractos de jornais, recortes de revistas, etiquetas... enfim, um conjunto de coisas inúteis, sem um significado específico, mas que eu, passado algum tempo, resgato e construo sobre elas uma memória em nada acidental, atribuindo-lhes, se for preciso, todo o significado do mundo! Como se estivesse sempre ali e eu apenas o pudesse ver naquele momento (é por isso, também, que tenho esse outro hábito, de vez em quando, ver tudo quanto já guardei). Inevitavelmente, a minha mãe sofre imenso com este meu hábito e não consegue, simplesmente, não consegue perceber a quantidade de desperdícios, que eu teimo em guardar nos armários. A minha justificação é sempre a mesma: muitas das ideias que tenho são inseparáveis desse amontoado de desperdícios. Não posso dizer que exista uma relação causal. Não, não creio. É bastante mais complexo do que isso. No outro dia, estava a ver, pela primeira vez (sinceramente, nem sei como demorei tanto tempo a vê-lo, fazendo-me sentir que perdera algum tempo de mim mesma), "A Ciência dos Sonhos", de Michel Gondry, e, na sequência inicial, Stephane explica como é que se constroem os sonhos. Fiquei empolgadíssima, pois é exactamente (e inconscientemente, também, tal como no próprio filme... ou não?) o mesmo "método", que sigo para as minhas ideias.
Regressando às curvas. Consigo, perfeitamente, construir um percurso, juntar algumas imagens marcantes, que me influenciaram e continuam a influenciar: a jarra Savoy de Aalto, a folding wall screen dos Eames, a parede semicircular da casa Tugendhat ou, ultimamente, as curvas da Fundação Iberê Camargo de Álvaro Siza, que, quando vejo a maqueta, me sinto impelida a acariciar, a sentir na palma das mãos aquela superfície, como se as minhas mãos pudessem compreender melhor a beleza daquela paisagem... sim, uma curva será sempre uma paisagem e relembro os últimos quadros de Bacon! Oh, há muito que não os via na minha cabeça, que agradável surpresa! Continuando, até consigo encontrar referências concretas. Lembro-me, por exemplo, do que o Professor Hestnes e o Professor Vítor Figueiredo diziam sobre as curvas, transformando-as num objectivo a perseguir. Saber desenhar uma curva: um sonho, um desejo. E agora, agora ando a pensar e a desenhar um projecto que persegue tudo isto, que contém tudo isto. Mas, de que me serve estar a pensar sobre esse caldeirão que contém todas as minhas ideias, quando elas só aparecem quando querem? De nada. Mas gosto de pensar por que é que determinadas ideias ocorrem na minha cabeça...
(Fica aqui essa sequência inicial de "A Ciência dos Sonhos".)

domingo, julho 08, 2007

I am happy


Difícil tarefa a de contar como foram os concertos do SB SR. Poderia não o fazer, ninguém me obriga, a não ser eu própria, como um teste que tenho de efectuar, por mais que não queira ou sinta medo. Ultimamente, tenho medo de escrever. E as palavras não me têm facilitado a vida. Não tenho gostado do que escrevo. Em tudo, falta intensidade. Férias, preciso mesmo de férias. Na Sexta-feira, conversava com o José sobre os próximos passos na tese. Nem hesitei. "Agora, vou de férias. Preciso mesmo de férias!" Respondia-lhe desesperada e, ao mesmo tempo, contendo-me. Suspirei de alívio ou de compaixão quando o José respondeu que, também, ele precisava de férias. Depois, depois, em Setembro, começo a leitura da infindável lista de referências bibliográficas. Ainda não é esta semana, mas é na próxima. Depois da defesa da tese de mestrado do Quim, no dia 18, vou de férias. Levo o computador, tenho dois artigos para escrever, mas vou esbanjar tempo, assim mesmo, esbanjar tempo. Adoro esse ritmo. E a minha escrita está a precisar de tempo. Sinto que preciso de ficar sem escrever umas quantas semanas, para conseguir regressar a um estado inicial, mais primário, mas mais intenso e assertivo, da minha escrita. Confesso que ultimamente nem tenho tido paciência para escrever! O quê? Como é que é possível? A mais pura verdade. Nem me reconheço. Nem a ela.
Mas não poderia deixar passar em branco alguns momentos fantásticos dos concertos do SB SR. Curiosamente, encontro aqui uma semelhança. Ocorreu-me agora mesmo, enquanto escrevia e pensava no concerto de que mais gostei (difícil decisão, também) e nas fotografias que escolheria para ilustrar as minhas pobres palavras (serão mínimas, ridículas até). Uma característica em comum: essa intensidade que vejo diminuir nas palavras e que se sente em determinados sons e, particularmente, em determinadas maneiras de cantar. A forma como cada músico se coloca em palco, a forma como agarra o microfone, a forma como dança e balança os braços e atira as pernas lentamente para o lado e sacode a cabeça, elevando-a um pouco ao jeito de apanhar qualquer coisa que ali paira no ar, mas não se vê, só se sente. Tv on the Radio. Nem hesito (coisa estranha...). Ver Tunde Adebimpe cantar, faz-nos crer que não podemos estar sequer a ouvir aquilo que canta, tal é a sua grandiosidade em palco. Os seus gestos presos num ritmo que só os seus pés conhecem, o ar que passa subitamente pelos seus pulmões e fá-lo encolher a face, retrair-se num movimento inexplicável do seu corpo. Os Tv on the radio não precisam de cenário, de personagens fictícias, grandes aparatos tecnológicos ou instrumentais. Nada disso! São tão simples que assustam. E, no entanto, os sons e os movimentos que os sons descrevem (qualquer coisa que acontece em nós, no nosso corpo) são magistrais (cabe nesta palavra tudo o que possa ser da ordem do grandioso).

Os outros concertos têm outras histórias por trás. Ouvir os Jesus ao vivo, por exemplo, foi "concretizar um sonho". Muita da música que ouço e mais gosto, comecei a ouvir por influência do meu irmão João. Creio que já o referi aqui, mas não me canso de o dizer, porque sempre fui muito influenciada pelos meus irmãos e os adoro! A minha paixão pela escrita, o meu gosto pela fotografia, o meu humor e a paixão pelos Pixies, pelos Jesus and Mary Chain, pelos Sonic Youth, pelas Breeders, pelos Violent Femmes, pelos The Cure... quando tinha 12 anos. E, naquele momento, estavam ali, os Jesus, mesmo à minha frente. O som está um pouco diferente. Talvez um esforço em actualizá-lo. Mas não interessava, na minha cabeça tocavam como há anos atrás. Quando o negro era ainda negro.
Queria falar sobre os outros concertos. Mas, subitamente, deixou de fazer sentido falar sobre eles. Talvez já tenha dito tudo.

(Esta última fotografia é do Eduardo J.)

domingo, julho 01, 2007

Back to the classics

Etsab, Coderch, 1978.
Já faz algum tempo que tenho esta imagem junto do meu computador. Chegou o dia de a guardar. Tudo começou com um concurso (com a Ana e a Dori), que avivou uma ideia longínqua. Lembro-me de uma vez o Eduardo A. me perguntar por que é que eu não escrevia sobre arquitectos contemporâneos (creio que referi isso, por aqui, na altura...). Se alguma vez tivesse de registar os nomes dos arquitectos que mais admiro, estudo e recordo, estes pertencem a essas duas eras que precedem a contemporaneidade: Le Corbusier, Adolf Loos, Mies van der Rohe, na categoria de velhos mestres, Eames e Smithsons, na categoria de arquitectos pós-guerra. Tive sempre outras paixões, mas, por mais exemplos que encontre, estes estarão sempre presentes. Logo após ao Eduardo A. ter feito aquele comentário, decidi escrever sobre um arquitecto contemporâneo, ou melhor, sobre uma casa contemporânea, mas que me obrigaria a ler tudo o que Rem Koolhaas tivesse escrito e tudo o que houvesse escrito sobre a sua arquitectura. Claro que a casa não foi escolhida ao acaso... Contém uma pequena história ou é uma história. Para mim, a história é o mistério de que Colomina fala e o qual reconheço, também, nos objectos do meu estudo. Entretanto, íamos avançando na nossa proposta e, pela primeira vez, pensava em soluções "de inspiração koolhaasiana". Deu-me vontade de rir! E atribuía as culpas ao que estava a ler, mas quanto mais lia sobre Rem Koolhaas, mais entusiasmada ficava com as suas ideias. Passei a ver a sua arquitectura de outra forma, mas estava tudo lá! O que eu via em Rem Koolhaas era o que eu sempre vira em Le Corbusier, em Adolf Loos, em Mies van der Rohe... Mas esta imagem apareceu depois, quando estava a desenhar, em pormenor, um dos edifícios da nossa proposta. Andávamos envoltas em curvas e curvas e curvas. A paixão do terceiro ano por Niemeyer. A Dori comentava, também, como cada vez mais estava a voltar a este tipo de exemplos de arquitectura. A este tipo de curvas. Uma curva desenhada na ponta de um lápis, bem marcada, forte, sentida. Uma curva que condensa uma vida e anula qualquer outra. Niemeyer: outro clássico.
Penso noutros exemplos: no cinema e na música. Creio ser este um sentimento constante em mim. Relembro uma ideia de Louise Bourgeois que me conforta especialmente. Quando a interrogavam sobre os novos materiais que utilizava (em esperança que Louise lhes respondesse que tinha de "apanhar" as novas técnicas), Louise respondia quase sempre da mesma maneira. Que era natural expressar-se em diferentes materiais e que um bom conhecimento técnico sobre estes a iria permitir dizer aquilo que sempre quisera dizer. Em mármore, em madeira ou em látex. Se um material o fizesse melhor do que outro, melhor para ela! O importante era dizer o que queria dizer e que sempre fora o mesmo. As suas angústias, os seus medos, os seus traumas. Também ao medo ultimamente pareço voltar sempre!

terça-feira, junho 19, 2007

bcn Report

Parte I - Volver
Há regressos que não são regressos. Não penso numa viagem temporária, em que, passados alguns dias, se regressa, nem num regresso definitivo a qualquer lugar, que, anteriormente, fizera parte das nossas vidas (como por exemplo, o lugar natal). A palavra "volver", em castelhano, é muito mais complexa do que a palavra portuguesa equivalente, "voltar". O filme de Almodóvar, com este mesmo título, ilustra bem essa complexidade, não só pelo significado que o regresso tem no filme, mas pelo outro significado (outros significados) que a palavra "volver" vai adquirindo ao longo da história. Neste momento, penso em dois regressos. O primeiro: o meu regresso a Barcelona, um ano depois. O outro: o meu regresso a Coimbra e a tudo o que deixei. E os dois aliam-se nesse segundo significado da palavra "volver": mudar, transformar, virar do avesso (no filme de Almodóvar, o significado é ainda mais preciso, mais forte: é uma transformação que parte das entranhas ou é a partir das entranhas que se tem de mudar... com toda a força!).
Quando chego a Barcelona, é impossível não me recordar da minha rotina naquela cidade, há cinco anos atrás. Não consigo deixar de voltar aos mesmos sítios, mesmo sabendo que a cidade está sempre em contínua transformação. Num ano, consegui reconhecer transformações enormes. No vazio do edifício, cujo desaparecimento lamentava o ano passado, avança a construção de mais um edifício de "luxo" no Raval, que se está a transformar, aos poucos, num bairro fashion. O Sandwich & Friends (S&F), por exemplo, vai aí abrir brevemente (
http://www.sandwichandfriends.com). Ora, para mim, o S&F é paragem obrigatória para almoço: "un enrrollado caliente Fede e una ensalada Mónica". Mas no Born, para matar saudades. O mítico Champion das Ramblas, onde fazia as compras e, como ainda dizia hoje a Mok, "o supermercado com o ambiente mais divertido que já conheci", passou a ser Carrefour. Nome novo, apresentação nova, mas o mesmo caos de sempre, as filas intermináveis e a confusão instaurada de pessoas e bens de consumo. Continua divertido! A rede de transportes urbanos está cada vez maior e mais eficaz. Mais uma vez, num ano fizeram-se grandes avanços e a mobilidade na cidade está cada vez mais facilitada. A adicionar: um serviço de aluguer de bicicletas (que começa a ser um transporte "público", à semelhança de Zurique, cuja imagem de mil e uma bicicletas alinhadas à porta da estação central – os dois grandes transportes públicos em Zurique - não me sai da cabeça). No entanto, digo-o outra vez: não consigo deixar de voltar aos mesmos sítios e claro que é impossível fazê-lo, mas reconhecê-los, nem que seja numa breve passagem. E não consigo explicar as razões... pois não são motivos nostálgicos ou saudosistas... talvez similares àqueles porque tiramos fotografias, por exemplo. Querer captar um momento único e abrupto, que condensa uma memória inesquecível, que temos medo de esquecer, de apagar, de deixar de a sentir dentro de nós. Porque enquanto dura, ela perpetua, mais do que o momento, outras coisas, novas coisas, que dela nascem, que nela têm origem. Não é um simples reviver. O meu regresso a Barcelona nunca é um regresso.
Ainda não foi desta vez que fui ao Fòrum. Guardo uma única imagem do enorme triângulo azul, quando o piloto do avião, para fazer tempo, sobrevoou Barcelona. Mas, regressei ao pavilhão de Mies van der Rohe (back to the classics) e visitei a piscina de Álvaro Siza. Depois da minha visita a São Benedito, creio que não vá sentir tão intensamente uma visita a uma obra de arquitectura. No entanto, é fácil encantarmo-nos com a forma da piscina de Álvaro Siza. É quase sempre referida a cúpula elíptica com as várias clarabóias e o efeito da luz, que perpassa por elas, na água. Mas não é só na água, é em todo o espaço. E, neste, é a forma que adquire uma força maior. Não é a forma da elipse, mas o conjunto das formas – o volume elíptico, os contornos da água e a rampa – que permitem visões diferentes ao longo do espaço-contentor. As clarabóias apenas produzem um padrão (que varia, ao longo do dia, consoante a luz, mas que é, mais ou menos, estável, durante um banho). Se nos colocarmos ao longo da piscina, em vários pontos, e anularmos, por exemplo, a presença do "tecto", temos imagens, percepções, completamente diferentes da forma. Como se o espaço estivesse sempre em rotação. Se introduzirmos o efeito do tecto, temos uma imagem que nos parece sempre comum, denominada fortemente pela luz das clarabóias. Mas o efeito não deixa de ser bonito e sedutor (imprescindível, até).





Parte II – My Sónar (os meus preferidos)
Sónar de Día:
(dj) James Holden
(live) Piana
(live) Clark
(live) Planningtorock
Sónar de Noche:
(live) Beastie Boys
(live) Dizzee Rascal
(live) Digitalism
(dj) Spacek & Benji B Soundsystem
(live) Devo
(live) Mogwai A melhor parte: o Sónar. Infelizmente, de difícil descrição. Receio, ao tentar descrever, cair nas vulgares expressões, "fantástico", "brutal", "excepcional", etc. (todas o resumem bem e todas são insuficientes para o descrever). É, realmente, um ambiente único, especialmente, durante o dia, quando se está em plena Barcelona e se pode sair e dar uma volta e voltar e dançar... Guardo uma imagem curiosa: as pessoas, com o papel amarelo do programa do Sónar, de um lado para o outro, para apanhar o espectáculo que mais querem ver no momento. O programa é vastíssimo e obriga a essa selecção criteriosa (o que, infelizmente, anula um encontro mais acidental com um concerto ou outro), notando-se que existe, de facto, uma cultura digital (de música electrónica, experimental, aliada às novas tecnologias e à arte digital) enraizada. Há vários críticos que acusam o Sónar de ter perdido o seu carácter experimental e de se aproximar, cada vez mais, dos festivais de música de bandas "estabelecidas". Mas não nos podemos esquecer que o digital já não é experimental, já ultrapassou há muito esse discurso, como cyborgs não são ficção científica... Eu gosto, especialmente, de misturas. Quando sonoridades tão distintas se aliam e constroem um som novo. E o telúrico se transforma em digital. E o hip-hop em digital. E o sensível em espacial.
Outra coisa interessante na música electrónica é que ela atinge, muito facilmente, em determinados registos, o nosso sistema nervoso. Não se trata da questão do volume da música (isso pode suceder com qualquer música), mas da composição de determinados sons, só possíveis digitalmente. Pela primeira vez, não consegui suportar um som. E abandonei um concerto (Haswell & Hecker).

segunda-feira, junho 11, 2007

My little green book*

Há um pastor alemão bebé que passeia no parque, mais ou menos, à hora da minha caminhada. Lembra-me imenso o nosso pastor alemão, que morreu com apenas seis meses. Apenas o pastor alemão está diferente. Nestes dez dias, cresceu imenso e, quando o vi hoje, pensei para mim: "a única diferença que sinto é nele, tudo o resto continua na mesma". Pensamos sempre que no regresso de uma viagem, vamos encontrar tudo diferente (às vezes, também pensamos o contrário, que as coisas cristalizam no tempo, até ao nosso regresso). E, quando a viagem é tão importante para nós, como foi esta para mim, maior é o sentimento que as coisas vão mudar a uma velocidade estonteante e que, no nosso regresso, já não as reconhecemos mais. Talvez seja apenas um reflexo do que desejamos. Ou do nosso desejo que, também, regressemos diferentes... Mas esta viagem foi tão curta. Como é que poderia ter algum efeito sobre mim? Teve-o, claro! Mas não o revelo... Vou antes anotar algumas memórias, à semelhança do que já fizera após a viagem a Nova Iorque. Um "guia" com conselhos, sugestões e histórias de alguns episódios...
Seis e meia da manhã de Domingo. Eu, o João e o Pedro seguíamos para o aeroporto. Eu e o João seguiríamos para Zurique e o Pedro, para Roma. Os nossos voos sairiam à mesma hora e combinámos tomar café antes do embarque. Ambos voos eram da Tap e, enquanto o Pedro esperava pelos colegas, eu e o João fomos andando para o check-in. Qual o nosso espanto quando chegamos ao pé do balcão e vemos uma fila enorme. Era fila única, única para o check-in de todos os voos, não interessava a hora de partida, e para todos os destinos que as companhias da Star Alliance voassem. O caos estava instalado. O meu irmão ainda brincava com a situação, dizendo que, para a próxima, evitasse qualquer uma daquelas companhias. No meio da barafunda, havia um Senhor, de fato, a dizer alto os destinos cujo prazo limite para o check-in se aproximava. Zurique e Roma, claro! Após uma hora na fila, sem sair do lugar. Apressamo-nos, a empurrar as malas, por entre dezenas de pessoas que viam ali uma oportunidade de passar à frente de quem quer que fosse. Lá conseguimos chegar ao pé de um dos balcões e dizer ofegantes "Zurique", quando a rapariga, de fato, também, nos diz que "Zurique" já estava fechado. Foi a gota de água! Não queria acreditar! O João continuava calmo e sereno. Falso alarme. Ainda poderíamos fazer o check-in e lá vimos as nossas malas desaparecer pelo tapete rolante.
Chegaríamos cedo a Zurique e o programa para a tarde já estava escolhido: ir ao Kunst e ver o Pavilhão do Corbu. Nem queria acreditar, ia ver o meu primeiro Bacon! Julgava eu... Percorri, a passo acelerado, não sei quantas vezes as salas do Kunst, à espera de, a qualquer momento, em qualquer passagem súbita de sala, o vislumbrar, magnífico, na imensidão de uma parede branca vazia (mesmo com quadros ao lado, imagino que, ao lado de um Bacon, todos os outros desapareçam e o espaço se torne abrupto, sem chão). Mas não... Desci, pesarosamente, cabisbaixa, entretida com o desânimo. Não, nem Giacometti me alegrou (e, depois, só me lembrava das palavras de Louise sobre as esculturas de Giacometti e, não é de espantar, tem toda razão; apesar da leveza disfarçada de algumas, estão sempre presas a um chão, pesado, fixo, inerte). Fui ter com o meu irmão, que já me esperava cá fora, seguimos para o lago e, de repente, ficou uma tarde linda de sol. O Pavilhão Heidi-Weber era, talvez, das obras do Corbu uma das que eu menos gostava. Mas as suas cores exuberantes sob aquela luz magnífica deram-me a volta à cabeça e não consegui conter-me. O João abanava a cabeça perante os meus saltinhos de alegria (não consigo evitar, quando estou feliz, dou uns saltinhos quase imperceptíveis, embora às vezes me esqueça e salte mesmo). Demos a volta e fomos até à beira do lago, comer um gelado... Estava uma tarde fantástica e eu andava encantada com tudo o que via. Imensas pessoas a andar de bicicleta, descalças com os pés na água, deitadas na relva, a jogar futebol... Queria registar tudo com a minha pequena máquina, até ao momento que o meu irmão pensou que era exagero meu querer tirar uma fotografia a um grupo de amigos a fazer um piquenique. Qual exagero! "Eu gosto de observar e tirar fotografias às diferentes formas como as pessoas se apropriam do espaço," respondia-lhe eu, prontamente, mas apenas tentando justificar-me com uma razão muito própria de quem passa a maior parte do tempo a pensar em espaço. E Zurique faz-nos pensar sobre espaço.


A Ana e o Eduardo já me haviam contado do fantástico sistema de comboios e que eu não teria qualquer problema algum quanto à mobilidade. E é, realmente, extraordinário! Primeiro, existem variadíssimos comboios e é extremamente engraçado perceber a forma de composição. Imaginemos que estamos a construir, na nossa sala, uma linha de comboios, com vários tipos de comboios. Tira-se uma carruagem daqui, tira-se outra daquele comboio em que a locomotiva já não é grande coisa, junta-se outra locomotiva, adiciona-se outra carruagem do último modelo, que é mais caro e... voilá! Temos o nosso comboio! Os comboios suíços têm esta flexibilidade de composição. A carruagem é um módulo que pode ser adicionado, ou subtraído, consoante a ocasião. E o comboio é um transporte flexível, ao contrário do que a pesada infraestrutura possa indiciar. Há comboios para todos os gostos e quem quiser levar a bicicleta também o pode fazer. É um transporte público e quando a bicicleta tem mais expressão na cidade do que os carros, então, alia-se ao transporte público de excelência. O sistema de eléctricos (os "trams") prolonga a flexibilidade do comboio. E, na cidade, um pouco, também, pelos passeios e vias rodoviárias serem uniformes, com um tom contínuo e uma ligeira diferença de cota, os carris são quase imperceptíveis, tendo pouquíssima expressão. Mal se notam!
Continuamos a construir a nossa linha de comboio. Colocamos as montanhas com vários túneis, um vale, ao longo deste, um rio e, mais à frente, um grande lago! Muitas árvores e, de vez em quando, um conjunto de casas em madeira. Nunca construí uma linha de comboio durante a minha infância, mas não tenho dúvida que seria este o cenário eleito. Ia de comboio para Sumvitg, quando notei noutro aspecto da flexibilidade dos comboios suíços. Consoante o cenário (e que, na maior parte das situações, é o da linha de comboio da nossa infância), o comboio tem diferentes características. Aquele onde ia, percorre uma zona baixa dos Alpes, ao longo de um rio de violenta ondulação, tem um sistema de aberturas, que permite baixar a janela do comboio até meia altura e, desta forma, fazer-se a viagem ao "ar livre". Na volta, enquanto esperava na estação, passou o Glaciar Express. Neste, as janelas de vidro laterais dobram e fazem parte da cobertura. A única parte opaca desta corresponde à área do corredor (onde é fixo o sistema de iluminação).
A viagem a Sumvitg foi uma das experiências mais fantásticas de toda a viagem. Naquela manhã, à mesma hora, o João, na linha dez, apanhou o comboio para o aeroporto e eu, na linha nove, o comboio para Chur. Já em Chur, deixei a mala no hotel e regressei à estação para apanhar o comboio para Sumvitg. Uma hora de viagem. Para descer em Sumvitg, uma pequena aldeia nos Alpes, tem de se carregar num botão, para o comboio parar. Desço e vejo ninguém. Mais ou menos à minha frente, algumas placas com indicações. A que me interessava, dizia que, até São Benedito, seriam 50 minutos a pé. O João V. já me havia avisado. Olhei para o relógio. Eram 12 horas certas. "À uma, estou lá", pensei. E comecei a minha caminhada. À medida que ia subindo, ia ficando cada vez mais ansiosa. Olhava para o relógio: 12h 30m. Começava a ouvir água a correr pelo meio da montanha. Um calor insuportável. A minha garrafa, já quase vazia. E, quando menos esperava, vi-a! Ainda ao longe. Extraordinariamente bela. Uma hora, demorei. Uma hora mais, fiquei ali e muito me custou abandoná-la. Não consigo explicar o que senti durante aquele momento, estava eufórica! Completamente eufórica! Mas sei que me foi extremamente difícil sair dali e quando decidi iniciar o meu percurso de retorno à estação, já a alguns metros de distância, olhei para trás e senti, de forma tão intensa, que tinha de tirar uma última fotografia (já tinha arrumado a máquina e tudo), como se aquela fotografia fosse o último momento em que a veria, para sempre. E foi e, curiosamente, é a fotografia que mais gosto (e tirei imensas!).

Agora, alguns apontamentos: as trufas da Sprüngli são divinais; as sandes do Manta Bar, na Bahnhofstrasse, são óptimas para levar e comer num banco de jardim (quentes ou frias), enquanto se vê os trams a passar e uma loja com frutas secas, na Stadelhoferstrasse...

E o edifício de Herzog & de Meuron!

sábado, junho 02, 2007

Next stop

Viajo para esquecer. Creio já haver dito qualquer coisa de idêntica. Desta, é de vez. Viajo para esquecer os últimos dias, os últimos anos. Porque preciso de um início e parece-me que esta viagem tem-no como princípio. É próprio de uma viagem. Até aqui, nada de novo.

“We can have afraid.”

Este post poderia intitular-se, também, “Coincidências – continuação,” tanto que eu gosto de coincidências. Mas, o seu objecto é o do anterior: o medo. O anterior post foi escrito na noite de Quinta-feira e, no dia seguinte, eis que Dominique Perrault responde, com esta frase extraordinária, a Nuno Grande. Tudo, porque Nuno Grande dizia a Perrault que os arquitectos parecem ter medo de fazer edifícios quando fazem edifícios-paisagem ou edifícios quase imperceptíveis na paisagem, por vezes, criando-a artificialmente ou, por outras, prolongando-a numa elaborada simulação de um continuum verde. Sim, os arquitectos, também, podem ter medo. Quem é que não pode?

sexta-feira, junho 01, 2007

Do que é que precisamos?

Do que é que precisamos para estarmos prontos? Prontos para alguma coisa que nos atormenta, alguma coisa que receamos, que desconhecemos. A alguns dias de ir em viagem, com um destino conhecido, mas um futuro incerto, surgiu esta ideia, que já não é uma ideia, é mais do que isso, talvez uma constatação, que as pessoas têm medo de expor as suas fragilidades. Têm medo de as dizer em voz alta ou mesmo em surdina ao ouvido de uma pessoa querida. Têm medo de muitas coisas e mais medo têm ainda de dizerem que têm medo delas, como se não dizendo, o medo se consumisse a ele próprio, desaparecesse, como se nunca tivesse existido. O dizer, em voz alta ou em surdina, é evocá-lo. É torná-lo presente, demasiado presente, porque pode ser repetido. E mais uma vez, evocado. Outra vez, evocado. E se redobrasse. E se tornasse maior, maior ainda. Ao ponto de ser insuportável. E torna-se ruído. E os ouvidos, os nossos próprios ouvidos, deixam de ouvir. E tapamos as orelhas, abanamos a cabeça e negamo-lo. Para sempre, fechado em nós. Imagino tudo isto.
Mas eu falo demais. Não me contenho e exponho-me no meu lado mais frágil. Não vejo mal algum e cada vez mais acredito que é algo fantástico! Penso que aconteça o mesmo com a intimidade. Como é que pode existir intimidade, quando não conhecemos os medos da outra pessoa? Quando ela se cala. E consente. Sim, o ditado, neste caso, também vale... Lembro-me de Louise e como aprendi tanto com ela sobre o medo e este medo que agora também sinto, que Louise sempre sentiu, de não conseguir dizê-lo, porque cada vez mais as pessoas não o dizem e cada vez mais não o ouvem. Fica o eco. Que depressa se desfaz. Pensamos que algumas pessoas não nos são íntimas e ficamos deslumbrados quando partilham connosco uma experiência que os torna frágeis aos nossos olhos, aos nossos ouvidos. Eu, fico radiante! Os meus olhos transparecem o que dificilmente outras partes do corpo conseguem dizer. Para mim, é intimidade. E entre nós, uma distância enorme. Um silêncio profundo. Como na partilha de uma dor, de um pesar. Mas, depois... Depois, há sempre um medo que se perde. Ou vai desaparecendo aos poucos...
Noutra fase, ressurge com toda a sua força incalculável. Trememos uma vez mais, maltratamo-nos, vacilamos, fugimos (ou pensamos em fugir, só queremos fugir!). Somos frágeis e daí? Não precisamos de não o ser.

domingo, maio 20, 2007

Cidade recriada: a legenda

Depois das imagens, o pequeno texto. Ultimamente, as minhas palavras repetem-se como se eu me repetisse também. O pior, é que não tenho desculpa alguma para essa repetição e sinto mesmo que ando a repetir-me. Por outras palavras: ultimamente, não sinto evolução alguma em mim e nas minhas palavras. E como dependo delas! Comecei há alguns dias a escrever o texto da estrutura da minha tese. Tenho ideias muito claras, a estrutura do próprio texto ordenada ponto por ponto, mas não consigo escrever o quer que seja. Ou o que escrevo, sai forçado, sem fluidez, sem sentido. Como se eu me perdesse por todas as palavras, por todas as sílabas, as letras, os pontos finais. Mas não era sobre esta minha dificuldade que queria escrever, mas sobre o concerto dos Bloc Party. E, de certeza que vou repetir alguns adjectivos, daqueles que digo sempre que deliro com algum concerto. Já me haviam dito que os Bloc Party ao vivo tinham uma força estrondosa e foi, de facto, extraordinário sentir o pequeno espaço do coliseu completamente cheio de pessoas aos saltos, em simultâneo, como uma avalanche difícil de segurar. O suor escorria pelas costas de cada um. O cabelo molhado junto ao pescoço. Um calor insuportável. Mas era impossível parar, impossível não saltar. Era uma força efectiva que se sentia, uma força inexplicável, que vinha, não só da música, como também não vinha apenas da plateia, mas de um acontecimento único, gerado entre as duas, preciso daquele momento. Existia, também, a acentuar, um conjunto enigmático de luzes. Por vezes, serpenteadas. Outras vezes, altas, enormes, fixas. Outras, divertidas, a correr de uma ponta para a outra, em gestos simulados. Flashes rápidos, colorações distintas, abruptas e cada vez mais rápidas, velozes, estonteantes.
Entristece-me. Ultimamente, não assisto a grandes concertos. Ouço grandes bandas a tocar ao vivo (extraordinárias!), mas tenho algumas saudades daqueles concertos em que existe uma perfeita combinação entre cenário, luzes, adereços, a roupa dos artistas, as suas expressões (enfim, toda uma mise-en-scène). O último deste género a que assisti deve ter sido o da Björk no Meco (e que fora igual ao do Sònar nesse ano) e já lá vão alguns anos. O concerto dos Bloc Party espantou-me, também, por isso. O esquema, inicialmente enigmático, era relativamente simples, se prestássemos atenção. Mas a reacção era imediata, não existia tempo para perceber o que é que acabara de acontecer, apenas a ideia de uma pequena cidade lá ao fundo. Sem realismo, sem figuração, sem narração (as músicas encarregavam-se disso). Ou saída de uma bd mais abstracta e com um toque de diversão.

Cidade recriada




quarta-feira, maio 16, 2007

Another place, another city

Marion, no início de Another Woman (Woody Allen, 1988), conta que arrendou um pequeno apartamento em Downtown, para escrever o seu novo livro. Escrevia sempre em casa, mas, com o barulho de obras vizinhas, tornou-se impossível fazê-lo. "Um novo livro é sempre um projecto absorvente e requer que eu me isole a sério de tudo o que não seja trabalho," diz-nos. Eu, eu só consigo escrever em Coimbra, em casa, no sótão. Este é o meu apartamento em Downtown. Quando estou em Lisboa, quase não consigo escrever ou o que escrevo nunca utilizo, apago, rescrevo, fica esquecido sob o nome de um qualquer ficheiro. Quando explico isto, são poucas as pessoas que o compreendem. Não é só pelo silêncio que necessito quando escrevo (embora este seja sempre um dos meus mecanismos preferidos para começar a escrever; começar, porque, depois, se a escrita fluiu, não ouço absolutamente nada a não ser a minha própria voz; sim, quando escrevo, ouço-me a falar e é sempre difícil acompanhar-me...), mas, sobretudo, pelo espaço. Existem pessoas que conseguem escrever num café, num jardim, à beira-mar... eu não. E, também, não é um espaço qualquer. Faltam-me as fotografias, a minha orquídea lilás e branca, os livros, o amontoado de livros em cima da mesa.
Há alguns meses atrás, comecei à procura de casa em Lisboa. Com o início desta nova fase, tornou-se fundamental ter, também, um espaço meu em Lisboa, para conseguir escrever. Os meus pais e eu vimos alguns apartamentos e confesso que em alguns me imaginei a viver, a passar os dias, a escrever, a receber os meus amigos. A Ana brincava comigo. Depois de tanto tempo a dizer que não ia conseguir sair de Coimbra para viver noutra cidade, andava à procura de casa em Lisboa. E dizia-me com um sorriso que lhe é único: "Ainda te mudas de vez para Lisboa!" Ao que eu respondia, prontamente: "Não, isso não! Passar aqui metade da semana, tudo bem; mas, a semana toda, não conseguia!" Mas, hoje, reparo que só estou em Coimbra, porque é aqui que escrevo (às vezes, estou em Lisboa com uma vontade enorme de voltar para Coimbra só para poder escrever), é aqui que eu consigo ter um ritmo de escrita (um ritmo que nada tem a ver com cadência, porque não sou nada disciplinada em relação à minha escrita), é aqui que eu tenho os mecanismos de que necessito para escrever (a meio da tarde ou ao início ou ao fim, saio e vou dar uma volta a pé, sem perder muito tempo, por exemplo), é aqui que está a minha mãe, que atura incondicionalmente as minhas birras, os meus desalentos, as minhas frustrações à procura das palavras certas, do ritmo perfeito. Em Lisboa, acontece-me, exactamente, o contrário. Não consigo escrever, a minha cabeça dispersa-se por mil e uma coisas, só penso em andar de um lado para o outro, sair, dançar! Se fosse para Lisboa, de vez, como a Ana apregoa, teria de reinventar Lisboa. E o mesmo aconteceria em Coimbra. Cada vez mais, acredito que temos de reinventar as nossas cidades, os nossos espaços quotidianos. Eu adoro este ritmo, a minha vivência, quase errante, entre duas cidades. Mas, no momento em que eu tiver de parar (talvez brevemente...), terei de as reinventar. E por que não fazê-lo sempre?

sexta-feira, maio 04, 2007

quinta-feira, maio 03, 2007

A harpa dourada

Foi quase uma experiência etérea. A sombra parecia a silhueta de um desses estranhos seres. Os dedos desfigurados, desproporcionados, extremamente compridos, como os dos fetos em início de desenvolvimento. Os gestos inquietos, como se quisessem tocar, com todos os poros da superfície da pele, o intocável. Como diz Mr. Z.: "Num segundo, estamos lá". É incrível, o poder da música. Raramente, consegui abrir os olhos. Uma força maior empurrava-me para aquela que foi uma das experiências mais extraordinárias em concertos. De olhos fechados, parecia flutuar (e o verbo parecer é, aqui, demasiado ingrato e, no entanto, não poderei dizer flutuar...).
A imagem é estranha. Uma rapariga, de aspecto frágil, segura, no seu ombro, uma enorme harpa dourada. A harpa não é um instrumento leve e, no entanto, o som que dela sai só conhece a leveza. Talvez não seja apenas o som que encanta (nem a estranheza que também seduz), mas os movimentos das mãos que tocam a harpa e fazem nascer esses estranhos e leves sons. Na sombra, os movimentos das mãos parecem irreais, impossíveis para um corpo banal. Com nenhum outro instrumento, os movimentos das mãos atingem esta beleza e leveza. Nem mesmo com o piano. E, se recordarmos, facilmente virão, à nossa cabeça, imagens filmadas de mãos a tocar piano, num momento em que as mãos atingem uma beleza superior, como se só elas conhecessem a música, como se elas fossem a música que tocam. Mas creio que não igualam a beleza dos movimentos das mãos que tocam harpa.
Já algum tempo que ando a pensar nos concertos a que assisti e assisto (no sentido que recordo frequentemente os que já assisti e penso nos que assistirei ainda). Por exemplo: os concertos dos Pixies. Os Pixies, praticamente, não falam. Não interagem com o público (como muitos repararão). Mas os seus concertos são únicos, extraordinários! Quando sobem ao palco, os primeiros são os últimos acordes. Não param. Não pensam. O ritmo é crescente. De canção para canção, o som é mais forte, o ritmo mais veloz, até atingir o auge. E aí, o concerto termina. O público vê-se aflito para pedir mais uma canção, de tão estonteante que fora tudo até àquele momento. O corpo parece rebentar (o mesmo problema de há pouco com o verbo parecer). Já é tradição ver os concertos dos Pixies com o Gonçalo e acontece sempre a mesma coisa. Os nossos pés mal tocam o chão.
O exemplo contrário pode ser o de um concerto recente, o dos Scissor Sisters. Uma perfeita mise-en-scène seria de esperar. Mas, o que torna este concerto tão especial, é a caracterização de duas personagens, que se desdobram em palco, continua e crescentemente. Mesmo que existam muito próximas do que são (Jake: "Beside the lady I am, another lady... miss Ana Matronic!" E o público ri e aplaude!), esse desdobramento é claramente perceptível e os sucessivos passos rigorosamente estudados, como as entradas e as saídas de palco ou as mudas de roupa. E a ligá-los, precisos diálogos, aparentemente espontâneos, que levam o público ao delírio.
Guardo momentos muito especiais de alguns concertos: a chuva de balões prateados no final do concerto dos Pulp no primeiro aniversário do Razzmatazz; dançar em palco com os Kings of Convenience e com a plateia quase inteira da Aula Magna a saltar e a cantar "I'd rather dance than talk with you..."; o meu estado febril no concerto dos Fischerspooner, que me impediu de estar na primeira fila, mas não me impediu de dançar; o meu primeiro concerto dos Divine Comedy, no fim do qual conheci o Neil Hannon e pude constatar que ele é mais ou menos da minha altura... Bons momentos... E que frustração não poder ir a todos os concertos que gostaria.