segunda-feira, julho 23, 2007

Dar tempo

Simplesmente, não escreverei. Hesitei até tomar uma decisão. E, agora, ei-la. Preciso, neste momento, daquele tempo que nunca tenho. Não tem a ver com férias. Mas, com uma necessidade que venho a sentir já há algum tempo. A de tê-lo na palma das mãos e passá-lo, de uma para a outra, lentamente e ver o mundo todo sem me tocar. Preciso assim de um tempo sem tempo. Sem mundo. Sem escrita. Imaginarei sem palavras à beira-mar. Imaginarei sonhos mudos. Ouvirei tudo, todos, o ínfimo som, menos a mim mesma. Bem sei, é sempre nesta altura que me dá para isto. É qualquer coisa no som que só ouço aqui. O som imenso do vazio. E o vento nos eucaliptos junto à janela do meu quarto...

terça-feira, julho 17, 2007

5 livros e...

O Nélio (www.ventosdosul.blogspot.com) fez-me um convite, que aceito humildemente. Já há muito que penso nos livros que vou ler nos próximos tempos, que não sejam aqueles que tenho de ler por obrigação (que, no meu caso, é sinónimo de pretexto apenas, porque arranjo sempre uma desculpa, perdão!, justificação, para o que leio por obrigação ser o que leio por paixão), o que me fez pensar nessa lista de 5 livros que nos acompanham sempre (até à eternidade). Introduzo, no entanto, uma pequena variante. Consequência dos meus sempre pensamentos desorganizados, disformes, múltiplos. Por que não pensar em cinco músicas como banda sonora desses cinco livros?
1. Alice's Adventures in Wonderland, de Lewis Carroll & Silly Lily, Funny Bunny, de Maximilliam Hecker. Não é apenas a afinidade que existe entre as personagens de ambos, nem porque este blog tem muito de um e de outro, mas talvez porque preciso, constantemente, de os relembrar. Assim, juntos!
2. The Brooklyn Follies, de Paul Auster & NYC, dos Interpol. Ainda no outro dia estava a falar com o Gonçalo sobre as músicas fantásticas que existem sobre Nova Iorque e parece quase óbvio relacionar Paul Auster e Nova Iorque. Mas, naquela cidade, as aparências seguem um outro curso... E a escrita nunca deve ser aparente. Ou, deve ser aparente para seguir outro curso, também...
3. A Morte em Veneza, de Thomas Mann (deveria aqui colocar, também, o filme magistral de Visconti, porque nem um nem outro consigo ler e ver a não ser em determinados momentos, perfeitos... tremo ainda e sempre) & F- word, de Jens Lekman.
4. Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf & She's Lost Control, dos Joy Division. Virginia Woolf e Joy Division têm em mim um poder comum: quando deixo de acreditar por momentos, breves momentos, nas palavras e nas músicas, ouço as suas vozes. É incrível o poder que têm! Talvez as suas vidas, também, se misturem de uma forma única...
5. O Amor, de Marguerite Duras & Summer On the Westhill, dos Kings of Convenience. Para mim, não existe autora alguma que escreva o tempo como Duras o escreve. Aquele tempo que nos mostra os nossos próprios movimentos em câmara lenta. E os kings of Convenience têm essa particularidade, também, de cantar o tempo, um outro tempo, uma atmosfera, carregada de partículas de água a flutuar e a pousar lentamente na nossa pele. Um súbito calafrio. Ah! E porque adoro o cheiro a protector solar e ainda tenho areia no meio do livro... Existem livros assim. Este é um deles, para mim.

6. Convidam-se 5 (ou mais) pessoas a pensar nos seus 5 livros (com ou sem banda sonora...).

domingo, julho 15, 2007

A Ciência das Ideias

Ontem, enquanto arrumava um dos armários do sótão, apeteceu-me imenso rever as fotografias de Nova Iorque, que aí guardara. As saudades já são muitas. Coloquei duas de parte, ambas tiradas no MOMA: uma da maqueta do Eyebeam Museum of New Media, de Diller + Scofidio, e outra de uma mesa em contraplacado. Muitas vezes, desconhecemos de onde vêm determinadas ideias que temos, parecendo-se com memórias vagas, que não conseguimos localizar no tempo, porque nunca existiram. Outras vezes, são imagens que aparecem, espontaneamente, na nossa cabeça, mas como se já nos perseguissem há muito. Outras vezes ainda, reconhecemo-nos, repentinamente, como nunca, numa coisa, que parece concentrar, em todas as suas partículas, todo o nosso ser.
Nos últimos meses, tenho andado completamente, completamente, apaixonada por curvas e, no meu percurso "back to the classics", regressei, também, a Aalto. Uma pequena aventura a que os Eames, por exemplo, também, pertencem. Ainda não consigo localizar, com precisão, esta minha paixão. É um hábito que tenho. Também, sobre ele já falei aqui, sobre as coisas de que gostamos e que, constantemente, reaparecem na nossa história, construindo em nós mesmos, outras histórias, paralelas, que são apenas delas. Creio que, para mim, essa é uma tarefa facilitada por um outro hábito que tenho, o de guardar tudo: papéis, caixas de perfumes, extractos de jornais, recortes de revistas, etiquetas... enfim, um conjunto de coisas inúteis, sem um significado específico, mas que eu, passado algum tempo, resgato e construo sobre elas uma memória em nada acidental, atribuindo-lhes, se for preciso, todo o significado do mundo! Como se estivesse sempre ali e eu apenas o pudesse ver naquele momento (é por isso, também, que tenho esse outro hábito, de vez em quando, ver tudo quanto já guardei). Inevitavelmente, a minha mãe sofre imenso com este meu hábito e não consegue, simplesmente, não consegue perceber a quantidade de desperdícios, que eu teimo em guardar nos armários. A minha justificação é sempre a mesma: muitas das ideias que tenho são inseparáveis desse amontoado de desperdícios. Não posso dizer que exista uma relação causal. Não, não creio. É bastante mais complexo do que isso. No outro dia, estava a ver, pela primeira vez (sinceramente, nem sei como demorei tanto tempo a vê-lo, fazendo-me sentir que perdera algum tempo de mim mesma), "A Ciência dos Sonhos", de Michel Gondry, e, na sequência inicial, Stephane explica como é que se constroem os sonhos. Fiquei empolgadíssima, pois é exactamente (e inconscientemente, também, tal como no próprio filme... ou não?) o mesmo "método", que sigo para as minhas ideias.
Regressando às curvas. Consigo, perfeitamente, construir um percurso, juntar algumas imagens marcantes, que me influenciaram e continuam a influenciar: a jarra Savoy de Aalto, a folding wall screen dos Eames, a parede semicircular da casa Tugendhat ou, ultimamente, as curvas da Fundação Iberê Camargo de Álvaro Siza, que, quando vejo a maqueta, me sinto impelida a acariciar, a sentir na palma das mãos aquela superfície, como se as minhas mãos pudessem compreender melhor a beleza daquela paisagem... sim, uma curva será sempre uma paisagem e relembro os últimos quadros de Bacon! Oh, há muito que não os via na minha cabeça, que agradável surpresa! Continuando, até consigo encontrar referências concretas. Lembro-me, por exemplo, do que o Professor Hestnes e o Professor Vítor Figueiredo diziam sobre as curvas, transformando-as num objectivo a perseguir. Saber desenhar uma curva: um sonho, um desejo. E agora, agora ando a pensar e a desenhar um projecto que persegue tudo isto, que contém tudo isto. Mas, de que me serve estar a pensar sobre esse caldeirão que contém todas as minhas ideias, quando elas só aparecem quando querem? De nada. Mas gosto de pensar por que é que determinadas ideias ocorrem na minha cabeça...
(Fica aqui essa sequência inicial de "A Ciência dos Sonhos".)

domingo, julho 08, 2007

I am happy


Difícil tarefa a de contar como foram os concertos do SB SR. Poderia não o fazer, ninguém me obriga, a não ser eu própria, como um teste que tenho de efectuar, por mais que não queira ou sinta medo. Ultimamente, tenho medo de escrever. E as palavras não me têm facilitado a vida. Não tenho gostado do que escrevo. Em tudo, falta intensidade. Férias, preciso mesmo de férias. Na Sexta-feira, conversava com o José sobre os próximos passos na tese. Nem hesitei. "Agora, vou de férias. Preciso mesmo de férias!" Respondia-lhe desesperada e, ao mesmo tempo, contendo-me. Suspirei de alívio ou de compaixão quando o José respondeu que, também, ele precisava de férias. Depois, depois, em Setembro, começo a leitura da infindável lista de referências bibliográficas. Ainda não é esta semana, mas é na próxima. Depois da defesa da tese de mestrado do Quim, no dia 18, vou de férias. Levo o computador, tenho dois artigos para escrever, mas vou esbanjar tempo, assim mesmo, esbanjar tempo. Adoro esse ritmo. E a minha escrita está a precisar de tempo. Sinto que preciso de ficar sem escrever umas quantas semanas, para conseguir regressar a um estado inicial, mais primário, mas mais intenso e assertivo, da minha escrita. Confesso que ultimamente nem tenho tido paciência para escrever! O quê? Como é que é possível? A mais pura verdade. Nem me reconheço. Nem a ela.
Mas não poderia deixar passar em branco alguns momentos fantásticos dos concertos do SB SR. Curiosamente, encontro aqui uma semelhança. Ocorreu-me agora mesmo, enquanto escrevia e pensava no concerto de que mais gostei (difícil decisão, também) e nas fotografias que escolheria para ilustrar as minhas pobres palavras (serão mínimas, ridículas até). Uma característica em comum: essa intensidade que vejo diminuir nas palavras e que se sente em determinados sons e, particularmente, em determinadas maneiras de cantar. A forma como cada músico se coloca em palco, a forma como agarra o microfone, a forma como dança e balança os braços e atira as pernas lentamente para o lado e sacode a cabeça, elevando-a um pouco ao jeito de apanhar qualquer coisa que ali paira no ar, mas não se vê, só se sente. Tv on the Radio. Nem hesito (coisa estranha...). Ver Tunde Adebimpe cantar, faz-nos crer que não podemos estar sequer a ouvir aquilo que canta, tal é a sua grandiosidade em palco. Os seus gestos presos num ritmo que só os seus pés conhecem, o ar que passa subitamente pelos seus pulmões e fá-lo encolher a face, retrair-se num movimento inexplicável do seu corpo. Os Tv on the radio não precisam de cenário, de personagens fictícias, grandes aparatos tecnológicos ou instrumentais. Nada disso! São tão simples que assustam. E, no entanto, os sons e os movimentos que os sons descrevem (qualquer coisa que acontece em nós, no nosso corpo) são magistrais (cabe nesta palavra tudo o que possa ser da ordem do grandioso).

Os outros concertos têm outras histórias por trás. Ouvir os Jesus ao vivo, por exemplo, foi "concretizar um sonho". Muita da música que ouço e mais gosto, comecei a ouvir por influência do meu irmão João. Creio que já o referi aqui, mas não me canso de o dizer, porque sempre fui muito influenciada pelos meus irmãos e os adoro! A minha paixão pela escrita, o meu gosto pela fotografia, o meu humor e a paixão pelos Pixies, pelos Jesus and Mary Chain, pelos Sonic Youth, pelas Breeders, pelos Violent Femmes, pelos The Cure... quando tinha 12 anos. E, naquele momento, estavam ali, os Jesus, mesmo à minha frente. O som está um pouco diferente. Talvez um esforço em actualizá-lo. Mas não interessava, na minha cabeça tocavam como há anos atrás. Quando o negro era ainda negro.
Queria falar sobre os outros concertos. Mas, subitamente, deixou de fazer sentido falar sobre eles. Talvez já tenha dito tudo.

(Esta última fotografia é do Eduardo J.)

domingo, julho 01, 2007

Back to the classics

Etsab, Coderch, 1978.
Já faz algum tempo que tenho esta imagem junto do meu computador. Chegou o dia de a guardar. Tudo começou com um concurso (com a Ana e a Dori), que avivou uma ideia longínqua. Lembro-me de uma vez o Eduardo A. me perguntar por que é que eu não escrevia sobre arquitectos contemporâneos (creio que referi isso, por aqui, na altura...). Se alguma vez tivesse de registar os nomes dos arquitectos que mais admiro, estudo e recordo, estes pertencem a essas duas eras que precedem a contemporaneidade: Le Corbusier, Adolf Loos, Mies van der Rohe, na categoria de velhos mestres, Eames e Smithsons, na categoria de arquitectos pós-guerra. Tive sempre outras paixões, mas, por mais exemplos que encontre, estes estarão sempre presentes. Logo após ao Eduardo A. ter feito aquele comentário, decidi escrever sobre um arquitecto contemporâneo, ou melhor, sobre uma casa contemporânea, mas que me obrigaria a ler tudo o que Rem Koolhaas tivesse escrito e tudo o que houvesse escrito sobre a sua arquitectura. Claro que a casa não foi escolhida ao acaso... Contém uma pequena história ou é uma história. Para mim, a história é o mistério de que Colomina fala e o qual reconheço, também, nos objectos do meu estudo. Entretanto, íamos avançando na nossa proposta e, pela primeira vez, pensava em soluções "de inspiração koolhaasiana". Deu-me vontade de rir! E atribuía as culpas ao que estava a ler, mas quanto mais lia sobre Rem Koolhaas, mais entusiasmada ficava com as suas ideias. Passei a ver a sua arquitectura de outra forma, mas estava tudo lá! O que eu via em Rem Koolhaas era o que eu sempre vira em Le Corbusier, em Adolf Loos, em Mies van der Rohe... Mas esta imagem apareceu depois, quando estava a desenhar, em pormenor, um dos edifícios da nossa proposta. Andávamos envoltas em curvas e curvas e curvas. A paixão do terceiro ano por Niemeyer. A Dori comentava, também, como cada vez mais estava a voltar a este tipo de exemplos de arquitectura. A este tipo de curvas. Uma curva desenhada na ponta de um lápis, bem marcada, forte, sentida. Uma curva que condensa uma vida e anula qualquer outra. Niemeyer: outro clássico.
Penso noutros exemplos: no cinema e na música. Creio ser este um sentimento constante em mim. Relembro uma ideia de Louise Bourgeois que me conforta especialmente. Quando a interrogavam sobre os novos materiais que utilizava (em esperança que Louise lhes respondesse que tinha de "apanhar" as novas técnicas), Louise respondia quase sempre da mesma maneira. Que era natural expressar-se em diferentes materiais e que um bom conhecimento técnico sobre estes a iria permitir dizer aquilo que sempre quisera dizer. Em mármore, em madeira ou em látex. Se um material o fizesse melhor do que outro, melhor para ela! O importante era dizer o que queria dizer e que sempre fora o mesmo. As suas angústias, os seus medos, os seus traumas. Também ao medo ultimamente pareço voltar sempre!