quarta-feira, maio 31, 2006

Uma compilação de notas

Não é bem uma homenagem ao meu querido Jens (para quem um cd é uma compilação de canções), porque esta minha compilação não serve mais do que para constatar a minha actual preguiça em escrever. Culpo as minhas leituras por estes dias, que me têm deixado num estado de dormência perpétua. Não! Estou a ser muito injusta com o que leio... Devo rezafer o que acabei de escrever. Eu, eu é que ando em dormência perpétua! E já não são ausências! Passo pelas coisas e não as vejo. Esqueço-me da existência delas e, por fracções de segundo, quando as vejo distantes, regresso a elas a perguntar a mim mesma: como? Como é que eu não vi, como é que desapareceram por entre os meus olhos e eu não tenho uma, uma sequer, memória?!
Estas notas não são mais do que o que o próprio nome indica. No entanto, podem ser mais do que notas e por isso as escrevo aqui.

Os últimos dias de Maio
Ontem [26 de Maio] cheguei a Coimbra e uma nuvem de borboletas castanhas sobrevoava a minha rua, parecendo estranhos e minúsculos morcegos. Nunca tinha visto um fenómeno assim. Estou certa de que se tratava de um fenómeno. Pareciam desorientadas, uma delas embateu com uma feroz velocidade na minha face. Voavam todas demasiado depressa para o bater das pequeninas asas. Cheguei no fim da tarde. A atmosfera estava densa, quase que dava para ver a espessura do calor. Tudo acentuava o espectáculo natural. Lembro-me de numa aula do José, precisamente ao fim da tarde, as árvores, que se avistam das janelas da nossa sala de aula, se cobrirem de pássaros. O barulho era ensurdecedor. Mas bonito. O do voo das borboletas castanhas de ontem, não. E eram imensos pássaros. Formavam manchas e voavam de árvore para árvore com uma velocidade estonteante. O José parou de falar e com as mãos estendidas indicou-nos a janela, dizendo-nos que muitas vezes este tipo de fenómeno, sem uma razão facilmente explicável, era tido como um augúrio. Se isto me veio à cabeça ontem? Não creio... Mas foi estranha a minha reacção. E quando entrei em casa e a senti vazia, estremeci.
Os últimos dias de Maio adivinham-se os últimos dias. De alguma coisa. Entretanto, as borboletas desapareceram.

A felicidade adiada
"Por que é que temos tudo e não somos tudo?"
Perguntava-me hoje [27 de Maio] um amigo, enquanto me falava de felicidade adiada. Não da minha felicidade, mas da de todos, sem particularizar. Há perguntas que ficam em nós sem resposta. Porque a adiamos, tal como a felicidade, ou porque simplesmente não sabemos responder. Em mim, as duas opções confundem-se. Adio a resposta que desconheço ainda.

Josephine Baker
Às vezes perguntamos o que é que nos liga a alguma coisa ou a alguém, de modo a encontrarmos uma resposta plausível, dentro dos limites do nosso entendimento. Nonsense! Por outro lado, maravilhamo-nos perante o acaso e fazemos de pequenas coincidências desígnios desse. Como receber a fotografia de Josephine Baker num restaurante em Lisboa, onde jantei na Quinta-feira [25 de Maio]? Esta também não é, certamente, daquelas situações em que tudo o que vemos à nossa volta nos remete para o objecto do nosso desejo ou da nossa perturbação. O Nuno um dia dizia que seria preciso um Deus muito mauzinho para ter já traçado um caminho para nós e nós andássemos aqui, qual marionetas, à Sua mercê. A opção é sempre nossa. E é um verdadeiro privilégio poder escolher. Mesmo que determinadas escolhas não nos deixem dormir, nos tragam maldispostos, irritados, revoltados!

domingo, maio 21, 2006

Uma pequena nota sobre um poema

Num destes dias, um amigo ofereceu-me um presente raro: um poema de um outro escritor. Li-o, reli-o e voltei a lê-lo outra vez. Surtiu em mim um efeito inesperado. Não soube, no momento, o que pensar sobre o que é que o poema me dizia a mim. Não é uma questão de interpretação do poema como poema que é. Nem falo de uma questão formal, de composição, de ritmo, de rimas... Falo do que o poema diz sobre as palavras que o delimitam em mim, nos meus limites e de forma muito tangível. Fiquei confusa. Atordoada. Existia algo implícito no poema que me dizia respeito e que não estava na literalidade das palavras (e este poema é muito preciso nisso, é o que diz e nada mais). E essa razão oculta pertencia, de certo modo, a quem mo tinha oferecido. À sua forma de olhar para mim e de me tentar compreender. De me conhecer. Continuo sem saber a razão. Pode nem existir uma! Dele posso adivinhar que seja essa a razão: um acto livre, espontâneo, bonito.
Ainda não tinha agradecido o poema. Agradeci-o hoje, porque hoje percebi o que é que o poema me dizia a mim. O que me perturbava tanto... Quando o lia, nessas tantas vezes, era como se eu estivesse dentro dele, aprisionada, ao mesmo tempo que fazia um movimento de sair dele, desmultiplicando-me virtualmente, em que parte de mim olhava para o poema e o lia e via como eu continuava dentro dele, sem poder realmente sair. Tive sempre esta sensação. Hoje, não! Li-o de novo e de fora. Não sei o que me fez sair dele. Ou talvez saiba... Sei que foi precisa coragem. Muita, para o ver desse novo ângulo. Para ver toda a vida de um novo ângulo. Sentada num jardim durante uma tarde infinita, linda.

terça-feira, maio 09, 2006

E a cidade encheu-se...

O mistério do Sr. e da Sra. X

Nunca me tinha ocorrido isto, a não ser enquanto preparava a proposta para o meu trabalho no âmbito do seminário do outro José (que tem, no entanto, a casa de Josephine em comum com o trabalho para o seminário d' O José). No final da aula da Molder, da passada Quinta-feira, o Eduardo A. perguntava-me por que é que eu não incluía nos meus trabalhos o estudo de arquitectura contemporânea. Minutos antes, aliás, tinha estado a brincar comigo a dizer que eu ia fazer um dos trabalhos para os seminários da Molder sobre os óculos do Corbu, que a Louise Bourgeois se havia apoderado, quando este, distraído, os deixou em sua casa. Para Louise, os óculos de Corbu são uma dádiva que ela recolhe na sua obra. Nunca vi os óculos do Corbu numa obra de Louise, mas se olhar atentamente decerto que os descubro (mesmo que eles não estejam lá). Sim, a minha paixão por Corbu é sobejamente conhecida. Passei muito tempo com um corvo na cabeça, de modo que as consequências ainda se fazem sentir. Mas não, o meu trabalho para "Estética e Arte Contemporânea" não vai ser sobre os óculos do Corbu. Mas talvez sobre uma outra coisa que também lhe pertenceu e que também doou... E certamente sobre Louise Bourgeois. Tinha uma ideia anterior, mas durante a aula, a nova ideia passou à frente dos meus olhos de forma tão clara que no momento percebi, não que tivesse sido atingida por um raio fulminante, que era aquilo que eu queria realmente fazer. Voltando à conversa com o Eduardo A. Não era ideia que já não me tivesse passado pela cabeça. Respondia-lhe que nesse sentido era muito semelhante a Colomina (a autora que tratara no trabalho de "Estética dos Media"), preferindo os arquitectos modernos aos contemporâneos. Creio que é pelo mistério que encerram, pelo que já não podem dizer, mas que, ao mesmo tempo, podem dizer de outra forma. Os arquitectos contemporâneos podem sempre preencher os espaços vazios, podem sempre apoderar-se do resíduo.
Ontem caí em mim. As palavras do Eduardo A. eram demasiado importantes (o Eduardo A. também é arquitecto), porque traduziam um outro enigma. O enigma que me fascina nas obras dos arquitectos modernos é um outro nas obras dos arquitectos contemporâneos. A começar pelos habitantes da casa que elegi para estudar em simultâneo com a casa de Josephine. Da casa de Josephine sei algumas coisas de Josephine. Da casa do Sr. e da Sra. X sei também algumas coisas do Sr. X, sobretudo. Mas não sei o seu nome, não sei qual o verdadeiro nome do Sr. X (o X foi uma opção minha). Sei a localização da casa, até conseguirei a morada exacta, mas talvez nunca o verdadeiro nome do Sr. X. É uma diferença engraçada. É raro saber-se o nome real dos habitantes das casas dos arquitectos contemporâneos, enquanto se sabia, quase sempre, o nome dos habitantes das casas dos arquitectos modernos (mesmo dos mais famosos), porque as próprias casas recebiam o nome dos seus habitantes. Era uma dádiva do habitante à casa. Ou a casa que recebia o nome era o próprio nome, o próprio habitante. Isto tudo para dizer que a simples alteração de um nome, neste caso do nome de uma casa, diz muito sobre a própria casa ou, mais importante ainda, sobre o que a casa diz sobre ocupar um espaço. Ser uma casa.
Incluo, então, o estudo da arquitectura contemporânea nos meus trabalhos e tento, de certa forma, ultrapassar um medo próprio. Não é só pelo enigma que identifico os objectos do meu desejo, mas também pelo medo (sobre isso ando a aprender com Louise). Obrigada Eduardo A.!

quarta-feira, maio 03, 2006

Tudo aquilo que devia deitar para o ar

Ou tudo aquilo que devia gritar bem alto, berrar! Há dias assim, não há volta a dar. E que bom que é sentirmos essa vertigem dentro de nós. Triste é calarmo-nos e deixarmos tantas coisas feias por dizer. As coisas feias também são para serem ditas e bem alto, de preferência. Há sempre alguém que as ache bonitas. Eu, por exemplo, num estado lastimável de ira e cólera. Acredito que as coisas se passem mesmo assim.
Partir pratos. Uma amiga minha passou por uma fase extremamente enriquecedora em que partia pratos. Voluntariamente, claro. E sentia-se sempre muito melhor depois. O pior era o gato! O gato não sabendo partir pratos, não percebia por que é que aquela amável criatura partia pratos. Nem o gato, nem ninguém. Mas o simples acto de deitar um prato para o chão, com toda a força que possuímos e ouvirmos o estilhaço dos mil e um pedacinhos, parece ser reconfortante. Libertador.
Trepar às paredes. Literalmente. A minha sobrinha, quando se aborrece, trepa a qualquer coisa. O que a chateia é a parede ser um obstáculo tão grande à elevação dos seus pézinhos e do seu pequenino corpo. Opta, então, por trepar móveis, escadas (pelo corrimão, claro!), bancos, escadotes, escorregas ao contrário, tudo o que lhe ofereça um mínimo de aderência. Quando está feliz, dança.
Dançar. Contava a Adri no outro dia que o José lhe havia dito que os bailarinos têm uma capacidade fantástica de reflexão, porque dançam. Adoro dançar, todos os dias danço. Exactamente pelo contrário, para me impedir de pensar. Naquele momento, esqueço sempre tudo. O tempo pára (pára mesmo!) e eu deixo de existir. Há quase sempre uma música ou outra que gosto mais de dançar, então, ouço-a vezes sem fim até me sentir confortável nos meus movimentos, ou não, exausta, a precisar de descansar. Estes momentos, curiosamente, precedem os meus outros de leitura ou de escrita. Aí entra, então, a reflexão. Mas por agora não consigo estabelecer uma relação directa.
Fazer um bolo. Talvez das melhores coisas. E comê-lo quente.