terça-feira, maio 09, 2006

O mistério do Sr. e da Sra. X

Nunca me tinha ocorrido isto, a não ser enquanto preparava a proposta para o meu trabalho no âmbito do seminário do outro José (que tem, no entanto, a casa de Josephine em comum com o trabalho para o seminário d' O José). No final da aula da Molder, da passada Quinta-feira, o Eduardo A. perguntava-me por que é que eu não incluía nos meus trabalhos o estudo de arquitectura contemporânea. Minutos antes, aliás, tinha estado a brincar comigo a dizer que eu ia fazer um dos trabalhos para os seminários da Molder sobre os óculos do Corbu, que a Louise Bourgeois se havia apoderado, quando este, distraído, os deixou em sua casa. Para Louise, os óculos de Corbu são uma dádiva que ela recolhe na sua obra. Nunca vi os óculos do Corbu numa obra de Louise, mas se olhar atentamente decerto que os descubro (mesmo que eles não estejam lá). Sim, a minha paixão por Corbu é sobejamente conhecida. Passei muito tempo com um corvo na cabeça, de modo que as consequências ainda se fazem sentir. Mas não, o meu trabalho para "Estética e Arte Contemporânea" não vai ser sobre os óculos do Corbu. Mas talvez sobre uma outra coisa que também lhe pertenceu e que também doou... E certamente sobre Louise Bourgeois. Tinha uma ideia anterior, mas durante a aula, a nova ideia passou à frente dos meus olhos de forma tão clara que no momento percebi, não que tivesse sido atingida por um raio fulminante, que era aquilo que eu queria realmente fazer. Voltando à conversa com o Eduardo A. Não era ideia que já não me tivesse passado pela cabeça. Respondia-lhe que nesse sentido era muito semelhante a Colomina (a autora que tratara no trabalho de "Estética dos Media"), preferindo os arquitectos modernos aos contemporâneos. Creio que é pelo mistério que encerram, pelo que já não podem dizer, mas que, ao mesmo tempo, podem dizer de outra forma. Os arquitectos contemporâneos podem sempre preencher os espaços vazios, podem sempre apoderar-se do resíduo.
Ontem caí em mim. As palavras do Eduardo A. eram demasiado importantes (o Eduardo A. também é arquitecto), porque traduziam um outro enigma. O enigma que me fascina nas obras dos arquitectos modernos é um outro nas obras dos arquitectos contemporâneos. A começar pelos habitantes da casa que elegi para estudar em simultâneo com a casa de Josephine. Da casa de Josephine sei algumas coisas de Josephine. Da casa do Sr. e da Sra. X sei também algumas coisas do Sr. X, sobretudo. Mas não sei o seu nome, não sei qual o verdadeiro nome do Sr. X (o X foi uma opção minha). Sei a localização da casa, até conseguirei a morada exacta, mas talvez nunca o verdadeiro nome do Sr. X. É uma diferença engraçada. É raro saber-se o nome real dos habitantes das casas dos arquitectos contemporâneos, enquanto se sabia, quase sempre, o nome dos habitantes das casas dos arquitectos modernos (mesmo dos mais famosos), porque as próprias casas recebiam o nome dos seus habitantes. Era uma dádiva do habitante à casa. Ou a casa que recebia o nome era o próprio nome, o próprio habitante. Isto tudo para dizer que a simples alteração de um nome, neste caso do nome de uma casa, diz muito sobre a própria casa ou, mais importante ainda, sobre o que a casa diz sobre ocupar um espaço. Ser uma casa.
Incluo, então, o estudo da arquitectura contemporânea nos meus trabalhos e tento, de certa forma, ultrapassar um medo próprio. Não é só pelo enigma que identifico os objectos do meu desejo, mas também pelo medo (sobre isso ando a aprender com Louise). Obrigada Eduardo A.!