O desespero da arquitectura
A relação entre filosofia e arquitectura levou B. a tomar uma posição radical. Ao escrever a sua tese de doutoramento, decidiu cortar definitivamente com todos aqueles discursos, que se tornaram moda, provenientes da filosofia. B. é arquitecto de formação. A sua tese de mestrado era uma tese em arquitectura. De vez em quando, lá faz uns projectos mais ou menos utópicos ou conceptuais, mas acha-se "com os pés assentes na terra", até porque tem um irmão que é engenheiro que lhe vai chateando a cabeça. Não, B. não tem dúvidas que é um tipo que quer fazer arquitectura. Que bom é ter-se essa certeza.
Contava-me B., antes do jantar combinado para eu lhe falar de alguns problemas com que me andava a defrontar no meu mestrado (mal eu poderia imaginar que dele sairia com um problema maior ainda), todo despachado na sua maneira de falar sem parar, que "às duas por três" se deu a pensar em coisas que nada tinham a ver com aquilo que queria fazer. Os conceitos e os discursos filosóficos não serviam para nada a não ser para chatear a cabeça a um tipo. Isso não era com ele. Que se lixe a filosofia! Ele, arquitecto de formação, o que tinha a fazer era escrever uma tese em arquitectura com conceitos de arquitectura. Se para o filósofo, ele aplicava mal o termo "imagem", não lhe interessava, ele assumia-o, com todo o orgulho que um arquitecto pode ter da sua formação. Utilizaria o termo "imagem" à arquitecto.
Não lhe posso deixar de reconhecer alguma razão. Mas levei aquelas suas palavras um pouco a peito, sendo a minha expressão "levar a peito" unicamente significante da minha aflição. Já tinha construído na minha cabeça o meu futuro percurso. Aliás, já o havia descoberto há alguns anos atrás e chateava-me imenso ter que ouvir aquilo agora. Ter que ouvir os desabafos de B. sem que esses me causassem irritação. Ao contar o episódio ao Rui, com quem já não estava há algum tempo, este riu-se e obrigou-me a confessar que também eu algures já lhe tinha dado razão. Se considerar "dar razão" a um primeiro tombo no chão, acredito que sim, dei-lhe no próprio momento em que as palavras atingiram a minha audição. Mas agora que reflicto sobre isso, acredito que não. Foi um acto de desespero. Meu, claro! Dizia-me também B. que já havia tantas pessoas que tinham escrito sobre filosofia e arquitectura, sobre Deleuze e arquitectura, que foram poucas as vezes que se deixou deslumbrar por essas palavras. Acredito, mais uma vez, que tenha razão. Dou-lhe toda a razão.
Mas isso não me interessa para nada. Corbu passava a vida a dizer (durante toda a sua vida e várias, muitas, vezes pela sua vida) que o que lhe interessava era "o peso das coisas". Pensei: a arquitectura a ter um discurso próprio tem de se ocupar de tal forma com "o peso das coisas", que os únicos discursos que pode construir são apenas aqueles que só podem ser dizíveis em peso (para aplicar um termo à arquitecto ou à Corbu). Não quero com isto dizer que pensar em arquitectura com arquitectura seja o único discurso possível. Haverão outros, certamente... Mas também isso não me interessa. O que é que me interessa?
Atingir um nível em que trema à beira do abismo. Os meus pés dificilmente se manterão numa superfície sólida e o meu centro de gravidade inclinar-se-á um pouco para a frente, num movimento de balanço entre o meu corpo e o meu pensamento. Hesitarei, cederei talvez por vezes, por entre movimentos mais bruscos, mas desejarei manter-me nesse balanço. Eis como vejo a relação entre filosofia e arquitectura (muitos já saberão que eu nunca tenho os pés assentes na terra). Pensar arquitectura através de discursos filosóficos é colocarmo-nos à beira deste abismo. A filosofia tem esse processo elíptico em que as ideias nunca são fixas. E a arquitectura ocupa-se do peso das coisas! Mas eu quero chegar a um ponto em que a arquitectura não reconhece a si contornos dizíveis pelo peso das coisas. Quero vê-la a entrar em desespero! Provavelmente, eu é que irei ficar desesperada, mas também isso não me interessa. Já será tão bom chegar a esse limite... E certamente que terei muito a dizer sobre ele. Se será interessante ou não, não sei... Mas o importante é que serei eu a fazê-lo por desejo meu. Porque adoro Deleuze. E adoro Acconci. E Trisha Brown...
Contava-me B., antes do jantar combinado para eu lhe falar de alguns problemas com que me andava a defrontar no meu mestrado (mal eu poderia imaginar que dele sairia com um problema maior ainda), todo despachado na sua maneira de falar sem parar, que "às duas por três" se deu a pensar em coisas que nada tinham a ver com aquilo que queria fazer. Os conceitos e os discursos filosóficos não serviam para nada a não ser para chatear a cabeça a um tipo. Isso não era com ele. Que se lixe a filosofia! Ele, arquitecto de formação, o que tinha a fazer era escrever uma tese em arquitectura com conceitos de arquitectura. Se para o filósofo, ele aplicava mal o termo "imagem", não lhe interessava, ele assumia-o, com todo o orgulho que um arquitecto pode ter da sua formação. Utilizaria o termo "imagem" à arquitecto.
Não lhe posso deixar de reconhecer alguma razão. Mas levei aquelas suas palavras um pouco a peito, sendo a minha expressão "levar a peito" unicamente significante da minha aflição. Já tinha construído na minha cabeça o meu futuro percurso. Aliás, já o havia descoberto há alguns anos atrás e chateava-me imenso ter que ouvir aquilo agora. Ter que ouvir os desabafos de B. sem que esses me causassem irritação. Ao contar o episódio ao Rui, com quem já não estava há algum tempo, este riu-se e obrigou-me a confessar que também eu algures já lhe tinha dado razão. Se considerar "dar razão" a um primeiro tombo no chão, acredito que sim, dei-lhe no próprio momento em que as palavras atingiram a minha audição. Mas agora que reflicto sobre isso, acredito que não. Foi um acto de desespero. Meu, claro! Dizia-me também B. que já havia tantas pessoas que tinham escrito sobre filosofia e arquitectura, sobre Deleuze e arquitectura, que foram poucas as vezes que se deixou deslumbrar por essas palavras. Acredito, mais uma vez, que tenha razão. Dou-lhe toda a razão.
Mas isso não me interessa para nada. Corbu passava a vida a dizer (durante toda a sua vida e várias, muitas, vezes pela sua vida) que o que lhe interessava era "o peso das coisas". Pensei: a arquitectura a ter um discurso próprio tem de se ocupar de tal forma com "o peso das coisas", que os únicos discursos que pode construir são apenas aqueles que só podem ser dizíveis em peso (para aplicar um termo à arquitecto ou à Corbu). Não quero com isto dizer que pensar em arquitectura com arquitectura seja o único discurso possível. Haverão outros, certamente... Mas também isso não me interessa. O que é que me interessa?
Atingir um nível em que trema à beira do abismo. Os meus pés dificilmente se manterão numa superfície sólida e o meu centro de gravidade inclinar-se-á um pouco para a frente, num movimento de balanço entre o meu corpo e o meu pensamento. Hesitarei, cederei talvez por vezes, por entre movimentos mais bruscos, mas desejarei manter-me nesse balanço. Eis como vejo a relação entre filosofia e arquitectura (muitos já saberão que eu nunca tenho os pés assentes na terra). Pensar arquitectura através de discursos filosóficos é colocarmo-nos à beira deste abismo. A filosofia tem esse processo elíptico em que as ideias nunca são fixas. E a arquitectura ocupa-se do peso das coisas! Mas eu quero chegar a um ponto em que a arquitectura não reconhece a si contornos dizíveis pelo peso das coisas. Quero vê-la a entrar em desespero! Provavelmente, eu é que irei ficar desesperada, mas também isso não me interessa. Já será tão bom chegar a esse limite... E certamente que terei muito a dizer sobre ele. Se será interessante ou não, não sei... Mas o importante é que serei eu a fazê-lo por desejo meu. Porque adoro Deleuze. E adoro Acconci. E Trisha Brown...
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