Vida em Branco
Embora ultimamente passe o dia inteiro sentada a ler, custa-me (sobretudo porque as leituras diurnas são, normalmente, na língua de Sua Majestade) deitar sem pegar num livro que em nada tenha a ver com as coisas sérias que ocupam o meu pensamento. Preciso de distracção. Já há algum tempo também que, em vez de pegar numa ficção, pegava numa revista (preferencialmente de música), mais uma vez da terra de Sua Majestade, tão obcecada que estava com a crescente necessidade em aumentar a minha capacidade de leitura e escrita em inglês. Decidi, então, voltar a ler na minha língua mãe. Elegi um autor e um livro.
Ontem, mais tarde do que tem sido habitual, retomei a leitura que tinha deixado pendente pelo sono na noite anterior. Entusiasmadíssima, eis que deparei com duas páginas em branco! Coisa estranha nos dias de hoje, mas familiar à nossa dificuldade em atribuir qualquer erro a uma qualquer máquina. Ri-me! Não podia ser mais conveniente neste dias em que leio Understanding Media de McLuhan (o "guru dos media"). E, ao mesmo tempo, não podia ser mais inconveniente, quando finalmente me imaginava a compreender uma pessoa que me é especialmente querida (ou mesmo várias outras pessoas). Pensei melhor. As duas páginas em branco não são mais do que o espaço que eu tenho vazio na minha memória dessa minha incompreensão. Contêm, exactamente, sem tirar nem pôr, todas as palavras que me diriam como decifrar um dos muitos enigmas da existência dessa outra pessoa.
Inicialmente, pensei em trocar o livro, mas depois olhei para as marcas que tinha colocado junto às passagens mais esclarecedoras (mais intensas, mais cheias de vida, mais literais) em relação a esse alguém que eu começava a vislumbrar nas páginas daquele livro (e não de um qualquer igual a ele). O livro transformou-se no Outro, quando, subitamente, a personagem principal deu lugar a uma outra personagem, uma, especificamente, próxima de mim, parte de mim. O próprio registo autobiográfico do autor impelia-me a acreditar que existe realmente uma pessoa assim, que essa pessoa vive daquela maneira e que, em qualquer situação, aquela pessoa não muda. O livro já era meu. Como é que o poderia trocar?
Tomei uma decisão (já com a luz apagada): continuarei a ler o livro, saltando essas duas páginas em branco, e, no fim, ao acabar de ler a última página, encontrarei essas duas outras páginas que completarão, realmente, a minha leitura. Algures nesta ideia, tornavam-se presentes as palavras de Godard que havia lido durante a tarde. Sobre um filme, é certo, mas e se fossem sobre um livro? Para além das páginas em branco da história da minha personagem real continuarem por preencher (e dessa forma perpetuar a minha incompreensão, deixar o espaço vazio à espera de quaisquer palavras que contradigam todas as outras), testaria, na prática, algumas dúvidas que me têm ocupado o pensamento nos últimos dias, sobretudo na montagem (é literal) do meu trabalho para o seminário da Maria Teresa Cruz. Já só desejo acabar de ler o livro o mais depressa possível.
Ontem, mais tarde do que tem sido habitual, retomei a leitura que tinha deixado pendente pelo sono na noite anterior. Entusiasmadíssima, eis que deparei com duas páginas em branco! Coisa estranha nos dias de hoje, mas familiar à nossa dificuldade em atribuir qualquer erro a uma qualquer máquina. Ri-me! Não podia ser mais conveniente neste dias em que leio Understanding Media de McLuhan (o "guru dos media"). E, ao mesmo tempo, não podia ser mais inconveniente, quando finalmente me imaginava a compreender uma pessoa que me é especialmente querida (ou mesmo várias outras pessoas). Pensei melhor. As duas páginas em branco não são mais do que o espaço que eu tenho vazio na minha memória dessa minha incompreensão. Contêm, exactamente, sem tirar nem pôr, todas as palavras que me diriam como decifrar um dos muitos enigmas da existência dessa outra pessoa.
Inicialmente, pensei em trocar o livro, mas depois olhei para as marcas que tinha colocado junto às passagens mais esclarecedoras (mais intensas, mais cheias de vida, mais literais) em relação a esse alguém que eu começava a vislumbrar nas páginas daquele livro (e não de um qualquer igual a ele). O livro transformou-se no Outro, quando, subitamente, a personagem principal deu lugar a uma outra personagem, uma, especificamente, próxima de mim, parte de mim. O próprio registo autobiográfico do autor impelia-me a acreditar que existe realmente uma pessoa assim, que essa pessoa vive daquela maneira e que, em qualquer situação, aquela pessoa não muda. O livro já era meu. Como é que o poderia trocar?
Tomei uma decisão (já com a luz apagada): continuarei a ler o livro, saltando essas duas páginas em branco, e, no fim, ao acabar de ler a última página, encontrarei essas duas outras páginas que completarão, realmente, a minha leitura. Algures nesta ideia, tornavam-se presentes as palavras de Godard que havia lido durante a tarde. Sobre um filme, é certo, mas e se fossem sobre um livro? Para além das páginas em branco da história da minha personagem real continuarem por preencher (e dessa forma perpetuar a minha incompreensão, deixar o espaço vazio à espera de quaisquer palavras que contradigam todas as outras), testaria, na prática, algumas dúvidas que me têm ocupado o pensamento nos últimos dias, sobretudo na montagem (é literal) do meu trabalho para o seminário da Maria Teresa Cruz. Já só desejo acabar de ler o livro o mais depressa possível.
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