Vida em Branco – parte II
Conforme tinha decidido, na noite seguinte peguei novamente no livro, saltei as duas páginas em branco e recomecei a leitura. As palavras que se seguiram, faziam todo o sentido. Era como se não tivesse saltado parte alguma. O prenúncio tinha ficado duas páginas atrás, a confirmação dava-se duas páginas à frente. E o entusiasmo pela leitura redobrava. Se já existia um estranho mistério oculto nas palavras que lia anteriormente, este adensara-se e recriava uma outra história dentro daquela que eu própria já havia construído. Mas o caos surgiu novamente. E desta vez o sono não obliterou a capacidade de verificar o resto do livro. A suspeita já deveria ter ocorrido, logo após as duas primeiras páginas em branco.
Sucumbi: tinha mesmo que trocar o livro. E despojar-me de toda a afecção que já havia criado por ele. Talvez renasça com um outro livro igual – igual, não! -, idêntico a ele. Amanhã, sim, amanhã, trocarei o livro. A história manter-se-á e a minha leitura far-se-á exactamente a partir daquela primeira página em branco: página 34. Suspeito, no entanto, que se haverá metáfora mais explícita do que o que eu nunca virei a saber sobre a minha personagem real será aquela do livro das páginas em branco. E começo a não gostar de metáforas. Já há algum tempo que venho a desconfiar desse mecanismo da linguagem (é fácil saber porquê...). Mas se aquele livro fala de toda uma vida em branco e aquele, aquele que é meu (mas vai deixar de o ser... ainda que tenta convencer o Senhor da livraria a deixar-me ficar com ele), tem, não duas, mas tantas páginas em branco, não pode existir metáfora alguma. As páginas em branco são mesmo aquela vida em branco. Por mais coisas que tenha a preenchê-la. Por mais viva que se sinta a minha personagem real. Estranhamente paradoxal.
Sucumbi: tinha mesmo que trocar o livro. E despojar-me de toda a afecção que já havia criado por ele. Talvez renasça com um outro livro igual – igual, não! -, idêntico a ele. Amanhã, sim, amanhã, trocarei o livro. A história manter-se-á e a minha leitura far-se-á exactamente a partir daquela primeira página em branco: página 34. Suspeito, no entanto, que se haverá metáfora mais explícita do que o que eu nunca virei a saber sobre a minha personagem real será aquela do livro das páginas em branco. E começo a não gostar de metáforas. Já há algum tempo que venho a desconfiar desse mecanismo da linguagem (é fácil saber porquê...). Mas se aquele livro fala de toda uma vida em branco e aquele, aquele que é meu (mas vai deixar de o ser... ainda que tenta convencer o Senhor da livraria a deixar-me ficar com ele), tem, não duas, mas tantas páginas em branco, não pode existir metáfora alguma. As páginas em branco são mesmo aquela vida em branco. Por mais coisas que tenha a preenchê-la. Por mais viva que se sinta a minha personagem real. Estranhamente paradoxal.
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