Uma pequena nota sobre um poema
Num destes dias, um amigo ofereceu-me um presente raro: um poema de um outro escritor. Li-o, reli-o e voltei a lê-lo outra vez. Surtiu em mim um efeito inesperado. Não soube, no momento, o que pensar sobre o que é que o poema me dizia a mim. Não é uma questão de interpretação do poema como poema que é. Nem falo de uma questão formal, de composição, de ritmo, de rimas... Falo do que o poema diz sobre as palavras que o delimitam em mim, nos meus limites e de forma muito tangível. Fiquei confusa. Atordoada. Existia algo implícito no poema que me dizia respeito e que não estava na literalidade das palavras (e este poema é muito preciso nisso, é o que diz e nada mais). E essa razão oculta pertencia, de certo modo, a quem mo tinha oferecido. À sua forma de olhar para mim e de me tentar compreender. De me conhecer. Continuo sem saber a razão. Pode nem existir uma! Dele posso adivinhar que seja essa a razão: um acto livre, espontâneo, bonito.
Ainda não tinha agradecido o poema. Agradeci-o hoje, porque hoje percebi o que é que o poema me dizia a mim. O que me perturbava tanto... Quando o lia, nessas tantas vezes, era como se eu estivesse dentro dele, aprisionada, ao mesmo tempo que fazia um movimento de sair dele, desmultiplicando-me virtualmente, em que parte de mim olhava para o poema e o lia e via como eu continuava dentro dele, sem poder realmente sair. Tive sempre esta sensação. Hoje, não! Li-o de novo e de fora. Não sei o que me fez sair dele. Ou talvez saiba... Sei que foi precisa coragem. Muita, para o ver desse novo ângulo. Para ver toda a vida de um novo ângulo. Sentada num jardim durante uma tarde infinita, linda.
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