segunda-feira, janeiro 23, 2006

O fim dos dias

Parece estranho, mas ultimamente tenho andado com aquele sentimento de que não importa o que façamos ou que não façamos, os dias continuam a contar e o melhor que há é acelerarmo-nos a nós próprios e retirar deles exactamente o melhor. Ou, no meu caso, o limite de situações banais que, usualmente, entediam-me até à ponta dos cabelos. Entender o limite do dia próprio como que o limite do corpo próprio afinal não é novidade alguma.
Ontem tive o enorme prazer de ouvir um amigo que há muito não ouvia (sim, foi só ele que falou comigo, mas bastou e o mais curioso é que andava há mais de um mês para falar com ele e tinha exactamente na cabeça a situação em que seria eu a falar e ele a ouvir...). Dizia o Nuno que devemos "entrar a matar", "dizer aquilo que temos a dizer como no último dia da vida" (da nossa ou da de alguém) e que depois a vida prolongar-se-ia "em liberdade". Entender o nosso momento presente como o último dia da nossa vida é tão simples, continuava o Nuno. Quantas vezes não dizemos tudo aquilo que queríamos já há muito dizer e só arranjamos coragem de o fazer quando estamos perante o limite, seja este a morte ou outro... Eu tinha essa ideia que dizia sempre aquilo que pensava e sentia e que não tinha "papas na língua". Mas ontem percebi que não... pois onde está a liberdade de que falava o Nuno? E é verdade... Foram poucas as vezes em que isso me aconteceu, pensei, enquanto continuava a ouvir o Nuno... Nem sequer consigo agora localizá-las no tempo, só consigo localizar a sensação de liberdade, de "prolongamento da vida", como diz o Nuno, no meu corpo. E como é bom sentir isso! Creio mesmo que quando não sinto essa liberdade é porque alguma coisa ficou por dizer. É porque ainda tenho a dizer alguma coisa. Ou que ainda tenho a fazer alguma coisa. No fim, compreendo o meu limite ao contrário. Desfaço o espaço que o circunscreve, invertendo-o. Cada momento não é o último, mas sempre o primeiro. O primeiro dia do fim dos dias. Como há tempos atrás, que se lixe o tempo! E o antes e o depois. E, claro, o presente.

domingo, janeiro 15, 2006

O sono das crianças

Finalmente consegui dormir. Ao que parece a solução foi deitar-me às nove e meia da noite, antes dos meus próprios sobrinhos. E depois doze horas de sono ininterrupto. Imagino que ao fim de alguns dias o chá para as insónias também tenha contribuído... mas o importante é que, pelo menos durante algum tempo, vou andar recarregada e sem aquela estranha sensação de que o meu não sono é causado por algo imperceptível. Creio que cheguei mesmo a ficar obcecada com o meu não sono, sobretudo quando os cafés começaram a não surtir efeito. Como na Sexta-feira. Ainda que durma sempre mal em Lisboa, porque não é a minha cama bla bla bla, costumo andar mais ou menos arrebitada nesse dia. Mas nesta Sexta foram precisos quatro cafés para conseguir apenas conduzir e chegar a Coimbra (quando conduzir, para mim, já é café).
Resolvido o problema, retomarei o meu trabalho que já está há demasiado tempo em banho-maria. O número de páginas aumenta, de facto, mas ainda não consigo colocar um ponto final, o justo ponto em que damos connosco com um sorriso nos lábios (no corpo todo) de plena satisfação. E eu não consigo acabar qualquer coisa que faça sem esse limite. É o meu próprio limite. Como eu própria andava em stand-by, impus um outro limite. O José tinha combinado comigo a decisiva conversa sobre o meu futuro trabalho (ou a minha vida nos próximos anos, parte da minha vida!) para esta Quinta-feira passada e eu havia virtualmente colocado um ponto final na proposta de trabalho para o seminário da Maria Teresa Cruz: entregaria a proposta na Sexta e começaria a pensar, depois da conversa com o José, nos trabalhos para as suas cadeiras. Eis que o José não consegue voo e a conversa fica adiada. Toda a minha vida fica adiada. A mala pesada com o computador, os livros e os apontamentos, fica no carro e o ponto final da proposta do trabalho em suspenso até à próxima Quinta-feira (daí também não pode passar). A reacção imediata de alguma frustração não durou muito tempo. Estava tão anestesiada pelo cansaço que a ideia de passear nessa tarde de Quinta por Lisboa, ainda que mal chegasse a qualquer sítio e caísse sentada, era mais agradável do que acabar a proposta sem sorriso nos lábios. Óbvio! Definitivamente, não estava em condições. Se estaria a atingir um outro limite ou não, não cheguei a saber e fico feliz por permanecer na ignorância. Muito feliz! Agora, mãos à obra!
P.S. Recomenda-se o sono das crianças.