domingo, janeiro 21, 2007

O último número da colecção

Da esquerda para a direita: As Medi(t)ações de Beatriz, com Beatriz Colomina na capa, A Casa de Josephine, com a imagem da maqueta da casa de Josephine Baker de Adolf Loos e Gilles Deleuze e Chez Louise, com Louise Bourgeois e Le Corbusier em Articulated Lair (obra de Louise Bourgeois de 1986).

Chez Louise, afinal, é o último número da minha colecção. Quando o entreguei a Molder, perante o seu espanto, contei-lhe que a sua apresentação em muito se devia à ideia de uma colecção (para vários amigos, que gostam de ler os meus trabalhos). Pensei, desde o primeiro trabalho - As Medi(t)ações de Beatriz - fazer uma pequena colecção com os vários trabalhos, cuja apresentação seria, então, idêntica. A capa reduz-se a uma imagem do trabalho, uma antevisão das páginas que se seguem e o título aparece na contracapa, de fundo negro. Um dia destes, encontrei o Paulo Varela Gomes e, por acaso, tinha os dois primeiros trabalhos comigo. Este, no meio de uma gargalhada, exclamou que a "marca" do darq (Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra) até estava presente na Nova! Sorri e, na altura, contive a minha reacção (talvez pelo respeito que tenho ao PVG). De facto, a "marca" do darq é a aparência. Ao longo do meu curso, debati-me, por várias vezes, com esse excesso de relevância da aparência das coisas. E, no fim, por ironia ou não, caía no mesmo erro. Lembro-me da minha apresentação de Projecto V. Quando andava ocupada a pensar em como seria, falei com o Rui sobre a minha ideia. Este virou-se para mim e disse-me: "Susana, isso é uma imagem, também. Mais forte, ainda, do que se fizesses 3D's." A minha preocupação começava, sempre, com uma espécie de revolta e, depois, apaixonava-me pela mecânica das próprias ideias e sucumbia, completamente, ao seu fascínio. Aí, já não podia deixar de fazer coisas bonitas (pelo menos, para mim ou, em primeiro, para mim). É um resultado de um empenho, sem dúvida. Mas é, sobretudo, o resultado de uma paixão e um prazer enormes.
Com Chez Louise, terminei os meus trabalhos no âmbito dos seminários de mestrado e, como último que é, condensa aquela memória de tudo que acaba e, se fosse possível, se gostava de prolongar. Os dias que passei com os meus trabalhos foram absolutamente fantásticos. Chez Louise tem, além de tudo o quanto aprendi, mesmo a angústia da escrita, impressa em muitas das suas palavras, um significado acrescido. Quando a minha mãe corrigiu Chez Louise (como faz sempre), mais ou menos a meio, segredou-me que o meu pai o deveria ler, também. Acrescentei que todas as pessoas deveriam ler o livro de Louise, pois não só mostra a mulher fantástica, extraordinária, que é, mas porque se aprende muito sobre a vida. E chegamos, mesmo, a prevenir erros, a conhecermo-nos melhor a nós próprios, a olhar para tudo de outra forma, sem medo. Ou com aquela dose de medo que faz parte do perigo e do risco. Quando o comecei a trabalhar para este trabalho, à medida que o ia lendo, ia construindo, numas pequenas folhas, uma espécie de índice. Apontava a página e a ideia que determinada passagem salientava. Como o livro era a minha principal ferramenta para a escrita do trabalho e eu me perdia sempre pelas suas páginas (porque quando o começava a ler ao acaso, não conseguia mais parar), o índice ajudava-me a localizar, de forma precisa, a ideia que queria expressar naquele momento. Sobre o corpo, sobre as emoções, sobre o inconsciente, sobre o chá... Na realidade, o índice revelou-se mais do que isso. É um índice de mim. Olho para ele, com uns círculos nas páginas mais importantes e, por vezes, tenho uma necessidade inexplicável de ler o que marquei. Nunca é o mesmo índice. E é inseparável daquele livro. Daquele meu livro. Posso dizer que é dos livros com quem eu passei mais tempo. É, exactamente, desses livros que merecem ser cuidados, levados connosco, colocados junto a nós...
Há alguns meses atrás, disse que ia abandonar, por uns tempos, a casa de Josephine. Estou a preparar o meu regresso. A Casa de Josephine já está em cima do meu estirador, junto aos desenhos que nunca de lá saíram. O tempo que passei na casa de Josephine, embora de diferente matiz do tempo que passei com (o livro de) Louise, ajudou-me a cuidar das minhas ideias sobre Adolf Loos e Deleuze. Se o facto de se ser último de qualquer coisa (o último número da colecção) guarda e perpetua uma memória única (por vezes, dolorosa, até), o regresso permite-nos re-experienciar tudo outra vez, mas sob uma nova visão. O cuidado, por vezes, implica, também, a distância. E, novamente, pézinhos de lã.