sexta-feira, dezembro 15, 2006

Histeria

Arco da histeria, Louise Bourgeois
Assumo, desde já, a desconexão das coisas de que falarei. Há momentos em que preciso, simplesmente, de esvaziar a cabeça. Tornar as coisas exteriores, no limite, públicas, para passar à frente.
O meu irmão João disse-me, no outro dia, que tinha achado o meu texto sobre Nova Iorque provinciano. Parecia escrito, dizia-me, por uma rapariguinha que tinha ido visitar a grande cidade e voltado completamente deslumbrada. Acredito que até possa ser esse o "tom" do meu texto. Aliás, acredito que esse é o meu "tom," sempre que falo de algo que me apaixona. Falarei dessa forma, portanto, a maior parte das vezes que falo. Não consigo, sequer, falar doutra forma, porque, também, desejo sempre viver dessa forma. Esconder o que sinto? Nem pensar! O meu entusiasmo é, muitas vezes, exactamente pela forma como falo, mal compreendido. Em relação a Nova Iorque, é muito simples: senti-me tão bem, que me imaginei a viver lá. Que mais poderemos pedir de uma cidade, quando nos imaginamos a viver nela? Dizia, ontem, ao João V. com um sorriso nos lábios: "o meu mal é as pessoas." O João recordou-se logo da minha experiência em Barcelona ou mesmo em Lisboa. Eu, simplesmente, não consigo estar muito tempo afastada das pessoas de quem gosto: da minha família, dos meus amigos. Entristece-me, por exemplo, ultimamente, estar tão poucas vezes com o meu irmão Miguel. Vê-lo ocupado com coisas, que me parecem tão efémeras, quando lembro os nossos almoços no Evaristo. A época, também, não ajuda.
Ainda sobre Nova Iorque e esse estranho sentimento de familiaridade. Definitivamente, não sou a única a senti-lo. Vários amigos me têm perguntado pelas fotografias de Nova Iorque. Inacreditavelmente, não senti necessidade de tirar fotografias. E não é só pelo facto da maior parte das imagens ser já conhecida por todos, mas sim pela minha habituação ao sítio. No momento em que sinto pertencer a um lugar, deixo de sentir necessidade de o fixar em imagens, mais ou menos, perenes. Talvez seja, por essa mesma ideia, mas no sentido contrário, que algumas fotografias de "lugares comuns" (quando digo lugares comuns, penso, também, em cenas comuns, quotidianas) nos inquietem tanto. Claro que esse é um dos grandes poderes da fotografia (defendido, por exemplo, por Benjamin): numa situação familiar, comum, quotidiana, banal, fazer emergir algo de desconhecido, de inconsciente, de extraordinário, que escape por completo aos nossos olhos e, consequentemente, à nossa percepção (ao nosso pensamento). O Eduardo só me dizia: "se fosse eu, andava sempre com a máquina na mão." Essa era a minha vontade, também, mas antes de chegar a Nova Iorque. Curiosamente, as fotografias que tirei são quase todas do primeiro dia, quando a estranheza do "estar realmente ali" ainda me obrigava a uma prova física. Mas, na realidade, nunca me senti estranha na cidade, nem tão-pouco perturbada, por exemplo, pela sua escala. Já em Moscovo, por exemplo, senti o oposto. A escala de Moscovo é igualmente monumental, mas Moscovo é daquelas cidades desenhadas para oprimir os seus habitantes. As ruas são igualmente largas, enormes, a perder de vista, mas desenhadas para controlo dos transeuntes. Se pensarmos bem, as ruas de Moscovo são autênticos sistemas de controlo (muito superiores às ruas de Paris), antes mesmo da chegada das câmaras de vigilância (que, em Moscovo, existem em cada esquina).
Por último, sobre o meu entusiasmo. É o puro reflexo da minha felicidade, da minha paixão pela vida. Não consigo ser de outra forma (a não ser o extremo contrário). Na Quarta-feira, contava ao Martim o meu desejo de fazer voluntariado. O Martim deve ser das pessoas mais calmas, tranquilas, que conheço. Explicava-lhe, então, que gostava muito de fazer voluntariado, mas algo que me desse prazer, para, também, poder dar o meu melhor. O meu entusiasmo é, inevitavelmente, reflexo da paixão com que vivo as coisas. Sei que faço tudo melhor, sei que sou uma pessoa melhor para os outros, quando sinto essa enorme alegria em mim. E como gosto de a sentir! Nem que, por vezes, possa parecer (ser?) histeria.

16 :)

Obrigada, João V.! Adorei!

terça-feira, dezembro 12, 2006

O quintal da Mok

O quintal (no Porto) já abriu e, tenho a certeza, vale a pena visitar. Fica aqui a imagem que a Mok enviou. E o blog: www.blogdoquintal.blogspot.com

sexta-feira, dezembro 08, 2006

KL-KLM 1692-641 | 642-1693

MOMA

Serei capaz?
Direi, nestas primeiras palavras, ser impossível, para mim, escrever sobre Nova Iorque. Ainda não tinha sequer deixado a cidade e já estava cheia de saudades. O primeiro impacto foi horrível. Enfiámo-nos num daqueles shuttles, que levam nove pessoas do JFK até qualquer ponto de Manhattan, com um condutor completamente louco. Qual experiência de taxi em Roma! E os que conhecem a minha condução, sabem que não me assusto facilmente. Depois, Manhattan ao longe não tem aquele impacto de uma grande objectiva a partir de East River. Li, algures numa revista portuguesa, que Hollywood tornou a cidade de Nova Iorque nossa vizinha. De facto, quando andamos nas ruas e em determinados lugares de Nova Iorque, facilmente os reconhecemos de filmes ou de séries de televisão. No entanto, essa familiaridade, que possamos eventualmente sentir, não nos deveria retirar o fôlego, quando nos confrontamos com aquela que é uma das cidades mais bonitas. No dia a seguir, mal acordei, tive essa vontade enorme de desfazer a desilusão da noite anterior. De, simplesmente, esquecer. O que foi difícil, ao caminhar em direcção ao MOMA, fui-me deparando com sacos e sacos amontoados de lixo. Não se via um único contentor, mas inúmeros sacos do lixo, amontoados na rua e dos quais nos tínhamos de desviar. A produção de lixo em Nova Iorque é exactamente proporcional ao número de pessoas que a habita e ao número de pessoas que a visita. E o cheiro da rua aumentava, ainda mais, a sensação de estar dentro de um enorme caixote do lixo ou de uma lixeira a céu aberto. Afinal, era cedo e até parece existir uma justificação para todos aqueles sacos de lixo no chão.

MOMA

MOMA



OMA IN BEIJING @ MOMA
Precisava, urgentemente, de um café. O que um bom pequeno-almoço não faz! Gostaria de neste texto poder oferecer um pequeno mini-guia de Nova Iorque, com todas as experiências e sítios maravilhosos, que pude experimentar e conhecer, que não vêm em guia algum, nem no da Wallpaper*. Redimi-me a Nova Iorque ao pequeno-almoço. Um enorme cesto com vários tipos de pão de cereais de origem biológica – pão de centeio, pão com passas de uva e avelãs, pão com nozes, pão integral, etc. – e com várias compotas. Uma, em especial, deliciosa: praline de avelã. O sítio chama-se Le Pain Quotidien http://www.lepainquotidien.com/. Reconfortada, segunda paragem: MOMA. E qualquer má impressão desapareceu por completo. Rendi-me, pulava de alegria de obra em obra. Não vou descrever o que senti durante aquelas horas em que visitei uma das colecções mais fantásticas de arte moderna e contemporânea, porque é exactamente disso que se trata: de sensações. Nada mais que sensações. A compreensão das palavras de Deleuze, por exemplo, atingem ali o seu grau máximo e a sua aplicabilidade prática. Uma pequena nota: a exposição sobre OMA in Beijing http://www.moma.org/. Muito bem montada e, coisa rara, hoje em dia, em exposições de arquitectura (tenho, aliás, reflectido muito sobre isso), com informação concreta e objectiva. As horas passam a correr. O tempo é, realmente, diferente em Nova Iorque. Como se anda tão bem a pé, julgamos que as coisas são já ali e esquecemos o tempo que demoramos a percorrer a distância de onde estamos até a esse já ali. Estranhamos, pois, que as horas passem tão depressa e que tenhamos feito tão pouco. Certamente, também tem a ver com o desejo louco de querer conhecer tudo. Todos aqueles lugares que povoam a nossa imaginação e que a um virar de esquina se tornam reais. Assim, me deparei com o Seagram building (Mies van der Rohe, 1958). Ainda só vi dois edifícios do Mies e com os dois tive essa enorme surpresa de chegar até eles e ficar suspensa no tempo, naquele preciso instante da intemporalidade de uma obra magnífica. Da experiência em Barcelona, escrevera: "Ontem [6 de Dezembro de 2001], fomos ver, finalmente, o pavilhão do Mies: uma pequena peça num jogo em que a envolvente se impõe pela monumentalidade, pela atrocidade de um espaço expositivo. Ele, pequeno e belo, suspira baixinho um grito de uma geração: os anos vinte, os anos expoente máximo do modernismo, de uma linguagem nova que se dizia daquele tempo. A linguagem é do nosso tempo, que ainda não compreendemos, que estamos constantemente a reinventar com "ismos" e "neos," atrás uns dos outros, quando acreditamos, também, já não ser possível inventar palavras. Talvez porque não existam realmente. Talvez porque este espaço é de transição para um outro, que há-de vir, com novas palavras, com outras linguagens inventadas após tanta saturação." A sensação perante o Seagram building foi absolutamente contrária. Ele, enorme, não suspira baixinho grito algum, mas fala num tom, que só aqueles que reconhecem a sua beleza, o ouvem. Pode ser um edifício igual a tantos outros que o rodeiam e, no entanto, é único. Compreender a sua beleza, a sua leveza, as suas proporções, o desenho cuidado do pormenor, a subtileza dos materiais... enfim, compreendê-lo como único que é, é compreender como é que a arquitectura é e pode ser de "cortar a respiração." Era noite e regressávamos a "casa." Não fui capaz de abandonar Nova Iorque sem regressar uma vez mais ao Seagram building. Precisava de o ver durante o dia. No Domingo de manhã, saí com essa ideia na cabeça. Tirei mais algumas fotografias e entrei. O porteiro, extremamente simpático, dirigiu-se a mim, perguntando-me o que é que eu estava ali a fazer. Alfred, era o seu nome, ou Al, como gostava que o tratassem, explicou-me que a linha dos visitantes era aquela que estava demarcada com a fita preta e que eu não poderia passar para além dela. No entanto, iria abrir uma excepção. Deixar-me-ia ver todo o rés-do-chão e... o elevador! Com a condição que teria de carregar continuamente no botão para abrir a porta, de modo a não escapar para os pisos de cima. Para mim, já foi extraordinário ver aquele elevador (e pelo que confirmei depois, foi uma experiência rara, pelo que só tenho a agradecer a Al).



SEAGRAM BUILDING
Uma das experiências mais fantásticas estava reservada para essa tarde de Domingo: visitar Louise Bourgeois. O título do meu trabalho sobre Louise iria concretizar-se e, dessa forma, adquirir toda uma nova dimensão. Iria encontrar o seu destino ali. Chegámos às quinze horas e cinco minutos. Brigitte, a assistente de Louise, abre-nos a porta e diz-nos para colocarmos os casacos em qualquer lugar, enquanto se dirige para a rapariga que entrava ao mesmo tempo que nós, dizendo que Jerry [Gorovoy] só a autorizara a tirar duas ou três fotografias. Ao fundo do corredor, que, sensivelmente a meio, abria numa suave curva, a sala onde nos sentaríamos e onde já estava Lucienne, uma das artistas que iria apresentar o seu trabalho a Louise. Louise criou os Salões de Domingo, exactamente, para conhecer a obra de jovens artistas. Molder avisara-me previamente e eu tentei fazer um pequeno caderno com fotografias dos meus últimos projectos (um deles ainda em curso) e com alguns dos meus desenhos. A campainha não parava de tocar. E quase todos traziam chocolates. Brigitte, entretanto, colocara, em cima da mesa, ao pé dos chocolates, águas, coca-cola, vodka e outras bebidas. Marie trouxera uns doces de tâmara, maçapão e chocolate deliciosos, que ela própria fizera. Esperávamos, ansiosamente, a chegada de Louise, enquanto nos íamos conhecendo uns aos outros (éramos catorze, sem contar com Brigitte e Louise). Brigitte advertia-nos de antemão: quando Louise chegasse, ninguém se deveria levantar, nem fazer alarido e, muito menos, se oferecer para a ajudar. Eis Louise. Todo o seu corpo diz os seus quase noventa e seis anos (faz anos no dia 25 de Dezembro). E, no entanto, é impossível sentir pena pela sua condição ambulante precária, o torso tombado nas pernas fracas, o cabelo desfiado pelos anos todos em que o enrolava no cimo da sua cabeça erguida orgulhosamente. Louise estava ali, mesmo à minha frente, e por mais diferente que seja da Louise das imagens que guardava dela (e que ainda guardo), não a esquecerei e muito menos terei pena de a ver assim. A condição invertera-se. Ali estava eu, perante a mulher que sempre teve medo e nunca o teve verdadeiramente, porque sempre disse tê-lo. E eu, a tremer de medo, a uns segundos de entrar em pânico e querer fugir. Chegara a minha vez: era a terceira. Levantei-me e sentei-me na cadeira junto de Louise para lhe mostrar o meu trabalho e explicar a história que estou a escrever sobre ela e Corbu. "Very good," dizia, enquanto observava os desenhos. Aos poucos, fiquei mais calma. Os olhos pequenos de Louise pousavam em mim e não nos meus desenhos ou não fotografias das maquetas. Era como se Louise tivesse pressentido o meu medo, os tremores do meu corpo, e olhando docemente para mim, me dissesse, no seu silêncio, para não ter medo. Louise já pouco fala, mas, para quem a conhece, é fácil saber o que é que se passa na sua cabeça. Hoje em dia, é Brigitte quem orienta os Salões (também filma) e, pelas suas perguntas, conseguimos facilmente perceber, também, o que é que Louise pensa (ou poderá estar a pensar). A partir desse momento, quando regressei ao meu lugar, parecia tudo diferente. Tinha, de forma inexplicável, a resposta a algumas incertezas. Robert, poeta, era o seguinte e ia ler-nos alguns dos seus poemas. Louise adora poesia. Por essa hora, já estávamos todos alegremente a conversar uns com os outros. O casal italiano era, especialmente, simpático e divertido. Ela tinha ido entregar o livro de um amigo seu, Andrea Cometta, fotógrafo, que lhe pedira para entregar o livro a Louise, para esta ver a fotografia que ele lhe tirara há alguns anos atrás. As fotografias de Andrea são extraordinárias (tem uma, inclusive, da Maria de Medeiros grávida). E o namorado, economista, só a tinha ido acompanhar, mas, para espanto de todos, colocava questões extremamente pertinentes. Havia chegado a vez de Marie mostrar os seus filmes. Enquanto Marie preparava o dvd, Brigitte e Angelo preparavam um prato para cada um com uma deliciosa fatia de bolo de framboesas de La Bergamote (169 9th Avenue corner of 20th St). Vale a pena ir até Chelsea só para provar este bolo. Tal como ir ao Soho tomar o pequeno-almoço ou um brunch na Balthazar (80 Spring Street) http://www.balthazarny.com/. Louise já estava cansada e talvez por isso tenha pedido para ver a última peça de Angelo (Filomeno). Angelo é amigo de Louise já há algum tempo e quando regressa à sala com Caviar nas mãos, a reacção de espanto e encantamento foi única. Caviar é um díptico, composto por duas molduras ovais, forradas a uma seda preta lindíssima, com reflexos ondulantes, semelhantes à textura de uma peça de madeira. Na diferença entre as duas, reside uma beluga, minuciosamente bordada em tons de cinza e prata. O olho, uma pedra semipreciosa e as suas ovas, pequenas contas pretas. Entretanto, Angelo explicava a sua tradição de bordar os quadros. Foram os seus pais que escolheram a sua profissão. Trabalhara nas grandes casas de alta costura italianas e sempre que alguém tinha medo de colocar as suas mãos no mais precioso dos vestidos, Angelo não tinha. Hoje é um reconhecido artista, expõe em Nova Iorque, Paris e, no ano que vem, em Veneza, na bienal, juntamente com Louise Bourgeois. O mais importante, dizia-nos Angelo, é não parar de trabalhar: trabalhar, trabalhar, trabalhar. A prova viva é Louise. Para o último dia, tinha reservado mais dois encontros importantes: entrevistar Beatriz Colomina e conversar com John Rajchman. Infelizmente, cheguei atrasada a Columbia e tive de regressar a Portugal sem falar com Rajchman. Dizia-me a Susana que tinha aí o pretexto perfeito para regressar a Nova Iorque. A Nova Iorque, apetecer-me-á regressar sempre.

BALTHAZAR

Outros dados: A Storefront http://www.storefrontnews.org/ que, pelo horário deveria estar aberta, infelizmente, estava fechada (ficam as fotografias da fachada, decadente, mas excepcional na mesma). A Prada (Rem Koolhaas) e a Longchamp (não sei quem é o/a arquitecto/a), do Soho, são lindíssimas. Quem gosta de coisas para cozinha, tem, obrigatoriamente, de visitar a Crate&Barrel (650, Madison Avenue) http://www.crateandbarrel.com/ e a Williams-Sonoma (Time Warner Center, Columbus Circle) http://www.williams-sonoma.com.


STOREFRONT, STEVEN HOLL & VITO ACCONCI
HUDSON HOTEL, PHILIPPE STARCK

ÁRVORE DE NATAL, ROCKFELLER CENTER

quinta-feira, dezembro 07, 2006

É tudo uma questão de escala: grande JARVIS!

O Jarvis lançou um novo álbum, a solo, qualquer coisa entre Relaxed Muscle e Pulp. Como sou muito suspeita, não me atrevo a fazer comentários (o título do post, também, diz tudo). http://myspace.com/jarvspace