terça-feira, fevereiro 20, 2007

O dom

Ando a escrever menos, mas sem alguma razão em especial. Apenas falta de tempo. No entanto, nos últimos dias voltei a pensar na minha relação com as palavras e com o que escrevo. E antes, na relação das outras pessoas com as suas palavras. Ou quando lemos alguma coisa de alguém, começamos a ler essa pessoa, também. Não quero com isto dizer que percebemos melhor ou começamos a compreender essa pessoa. Não! Quero dizer que ao ler, leio a pessoa, que nas palavras estão inscritos os seus gestos mais subtis. Um pequeno ressalto e vemo-la a corar ou a sorrir timidamente. Umas reticências e vemo-la a vacilar ou sentimo-la perturbada, por entre o ritmo apressado das frases. Nestes dias, aproveitei para me pôr a par do que algumas pessoas têm escrito. A falta de tempo, infelizmente, também afecta a leitura. No primeiro caso, fiquei agoniada. Aquela agonia que precede uma terrível náusea, sem se chegar a vomitar. Como, como é que aquelas palavras que acabara de ler me causem tal sensação? Escrevi, com um sufoco incomensurável na garganta: "Às vezes, dá vontade de escrever não mais uma palavra. Ficar calada. Para sempre. Porque o uso que lhes encontro por vezes, é não mais aquele que amo. E sinto que não as saberei usar uma vez mais. Um arrepio percorre o meu corpo, quando não lhes reconheço a doçura, mas o grito amargo dos que teimam em as usar, para quê? Às vezes, dá vontade de nada escrever." Poderia ser a agonia não a minha, mas a de quem a escrevera? Seria quase sublime. O curioso é que a agonia que senti nas palavras que lia é muito idêntica àquela que por vezes sinto quando estou com quem as escrevera. Prefiro a outra opção. Que essa pessoa escreve cada vez melhor ao ponto de escrever a agonia. E não é a sua agonia, mas a agonia que todos sentimos quando a lemos. No segundo caso, fiquei com vontade de abraçar quem estava a ler. Abraçar aquele olhar. Os olhos azuis que sorriem sempre que vêem qualquer coisa, mesmo que a face diga o contrário e as sobrancelhas se franzam. E não é só o olhar, mas os gestos que são únicos, insubstituíveis e, no entanto, qualquer pessoa que os leia, reconhece-os como sendo daquela pessoa que nem sequer conhece. Uma diferença se salientou de tudo quanto já havia lido dessa mesma pessoa: a simplicidade. Neste momento, está a escrever de uma forma muito mais simples: abandonou as frases complexas, as perguntas retóricas, o sarcasmo intelectual... A escrita flui como se estivesse a falar comigo. E tem aquele tom de voz suave que nunca se mostra exaltado. A voz. Porque a pessoa que vive nela, está constantemente a exaltar-se. Ou a pensar, a questionar todas as coisas que vê. Recuperei todo o meu amor pelas palavras. No terceiro e último caso, deparei com a minha própria experiência. Apesar de todos os medos que atravesso sempre que escrevo, mas sem os quais não conseguiria escrever, reconheci ontem, perante a terrível angústia de não conseguir resolver um problema num projecto de arquitectura, que a escrita era o meu dom. Nem bom, nem mau. Não atribuo à palavra dom um valor e, neste aspecto, aprendi muito com Louise e Corbu. Os dons tanto podem transformar-se em coisas excepcionais, como não... e, no último caso, é a própria pessoa que se deteriora também. Por uns momentos, pensei em desistir. Sou muito mais persistente, quando escrevo. É verdade que também me lêem quando escrevo. Lêem a persistência que é a minha nas voltas que dou, que dou, para regressar ao mesmo.

domingo, fevereiro 11, 2007

The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known

(Foi na noite de 17 de Dezembro de 2004, na Aula Magna...)

Nos últimos dias, pensava eu que andava sobreestimulada. A quantidade de coisas que queria fazer, o tempo que parecia escasso para as fazer, a dificuldade em adormecer, o acordar muito antes do sol raiar. Chegara a um limite, ainda que diferente daquele há um ano atrás, sentia uma estranha energia a fluir que me impedia de estar quieta por muito tempo. Andar aos saltinhos, como me costumavam dizer. Voltara a andar aos saltinhos. Mais coisas, outras mais ainda, tudo, tudo o que pudesse aguentar. A única coisa que me assustava era não conseguir dormir o número de horas que necessito (e o meu corpo pede-o sempre). Neste ponto, inventara uma técnica para adormecer. Concentrava-me num buraco negro, negro, sem fundo, que se revolvia em si mesmo numa espiral. A imagem não era estática, mas era totalmente negra. Como perceber o movimento de algo, de alguma coisa, num fundo negro? Porque a imagem negra, também, não era suficiente. Decerto, anulava quaisquer imagens que eu nela pudesse projectar, todas as frases que passavam à frente dos meus olhos, num écran transparente, sem limites, ou apenas aqueles do barulho dos meus dedos, da sua velocidade, da velocidade das palavras. Tudo desaparecia. Todas as imagens, todos os pensamentos. Só um fundo negro permanecia. Mas e o movimento? Como perceber um movimento num fundo negro? Um movimento sobre o branco tem sempre aquele efeito da beleza de uma luz inexplicável que irradia da própria cor. Mas o preto, também, pode irradiar luz. É mais difícil, mas talvez por isso mesmo, seja mais belo, mais estranho e sedutor quando existe dessa forma. O movimento era uma espiral. Concentrava-me na espiral e mergulhava lentamente no buraco negro, negro, negro... Resultava, é tudo o que ainda sei dizer. Resultava.
Este fim de semana sucumbi. Qualquer coisa superior a mim, obrigou-me a pousar, a sentar no sofá. Não foi o cansaço, foi outra coisa que me atingiu naquele ponto certo do meu sistema nervoso de forma a imobilizar-me. Compreendi, então, tudo o que me acontecera nos últimos dias. O sono voltou. Mas aquele sono que impede as palavras de saírem, que aprisiona os sonhos. Aquela inércia melancólica, irritante, que abusa do corpo. Uma recaída? Poderei pensar e atribuir-lhe um qualquer outro significado. Depressa recupero. É fantástica a elasticidade do corpo. Também, só ao meu corpo físico atribuo o que me aconteceu nos últimos dias: às minhas pernas, aos meus braços, à minha clavícula, que não sei por que razão me dói. Ouvir o último álbum do Jay Jay tem, também, efeitos perversos. Contava-me o José que um perverso é aquele que faz tudo para voltar ao mesmo. O último álbum do Jay Jay tem esse efeito e não creio que seja só em mim. Também não creio que seja apenas pela forma como canta anymoreeee... Um outro efeito, no entanto, permitiu-me recuperar a agudez dos sentidos. O título. O título do último álbum do Jay Jay é a pergunta que faço sempre que penso na minha tese. Ou melhor é esse o tema da minha tese, essa pergunta que tem ainda uma resposta incógnita, estranhamente misteriosa, e que depende da identificação dos efeitos físicos que qualquer coisa tem em nós. Determiná-los um a um. Conhecer-lhes os seus poderes. Como aquela qualquer coisa que me atingiu e imobilizou durante o fim de semana. O porquê até posso saber ou, pelo menos, suspeitar. Aliás, não tenho dúvidas. Mas o que aconteceu entre essa razão e o efeito que teve em mim é mais complicado e aí reside o seu poder imenso de me poder atingir, de me afectar de tal forma, que ainda hoje, que já escrevo, duvido de mim. A conversa com o José, na Quarta-feira, foi, como sempre, avassaladora. Soube que tenho três anos para entregar a tese e a responsabilidade enorme de corresponder às expectativas do José. E tudo, na minha cabeça, ainda não passa de um grande sonho. E tudo o que eu quero é não adormecer.

Cores Mágicas

Eu posso garantir os efeitos das cores mágicas da Ana e da Dori... Estão à venda, também, na Fermento (em Lisboa) e na Artimanha (em Castelo Branco).