domingo, novembro 05, 2006

Por entre o silêncio

Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber A. Uma dificuldade que se alastra a todas as pessoas que não falam. Ou mal falam. Que permanecem caladas, quase sempre caladas, ou apenas deixam escapar frases muito curtas, em jeito de resposta a alguma pergunta que possamos eventualmente ter feito. A primeira sensação é de desconforto. Raramente me sinto bem ao pé de uma pessoa assim. Fico incomodada, começo a pensar em mil e uma coisas para dizer. Não gosto deste silêncio. Gosto do silêncio, mas não deste tipo de silêncio. O resultado é quase sempre desastroso, sobretudo, quando a pessoa em questão não me conhece ou me conhece mal. Fica a pensar que sou uma fala-barato e, ainda por cima, nessas situações, digo, quase sempre, disparates, coisas banais, completamente inoportunas. Eu gosto de falar. Se falo demais? Algumas pessoas dirão que não me calo. A Francisca, quando ainda vivia cá em Coimbra, dizia que ao se deitar, sentia a minha voz a zumbir nos seus ouvidos. O Tiago, quando lhe contei que ia fazer o estágio em Lisboa, perguntou-me como é que eu iria (sobre)viver sozinha, sem ninguém com quem falar. Acrescentei, de imediato, que ia morar com a Ana. Problema resolvido. Louise Josephine conta a seguinte história: à mesa, não parava de falar e o pai, indignado, perguntava-lhe o que é que ela estava a esconder para falar tanto. A interpretação contrária sempre me pareceu mais legítima: que uma pessoa que não fale, esconda alguma coisa. Existem pessoas que não gostam de falar ao telefone. Facilmente, compreendemos. Faltam os gestos, sobretudo os das mãos, falta o cheiro da pessoa, os traços, as rugas, do rosto, o modo como os olhos franzem quando sorri. Mas não gostar de falar? Dificilmente, consigo compreender. Mas quem sabe, ter medo de falar?! Ou ter medo das palavras. Podem ser tão cruéis... Sentia-lhes a falta. Estive sem escrever tanto tempo, que hoje dei por mim a criar sucessivas desculpas para regressar a chez Louise. Um pouco mais pequeno do que o habitual dos meus trabalhos, está apenas no começo, mas ameaça-me como se fosse o maior de todos eles. Nele, todas as palavras terão de ser as correctas. Não existe margem para erros, para palavras erradas, que possam ser substituídas por outras. Inclusive, optei por fazer todas as traduções necessárias, para não interromper a fluidez do texto (se é que a terá...). As palavras podem, realmente, ser muito más. Pior do que as pessoas que as proferem. A propósito do espaço inefável, escrevi, no prefácio de chez Louise (já há algum tempo, antes da tendinite, mas que se mantém e manterá): "Mas não deveremos confrontar o indizível com o dizível? Com palavras? Não deveremos ultrapassar e dominar o medo das palavras falharem na forma em que estas não se apresentam mais do que como palavras que são? Como ficção? É um risco." Eu não consigo desperdiçar essa enorme oportunidade, por mais medo que tenha delas. Uma questão de feitio. Existem pessoas que são, naturalmente, caladas. Mas saberão aquilo que perdem? O outro lado é mais complicado, pelo menos, para mim. Não deveria eu compreender A. no seu silêncio? Em tudo o que não diz, não pronuncia, não grita?
"My favourite thing about you Please don't get me wrong How natural it feels Five minutes without talking Five minutes without talking" (twba)