domingo, julho 15, 2007

A Ciência das Ideias

Ontem, enquanto arrumava um dos armários do sótão, apeteceu-me imenso rever as fotografias de Nova Iorque, que aí guardara. As saudades já são muitas. Coloquei duas de parte, ambas tiradas no MOMA: uma da maqueta do Eyebeam Museum of New Media, de Diller + Scofidio, e outra de uma mesa em contraplacado. Muitas vezes, desconhecemos de onde vêm determinadas ideias que temos, parecendo-se com memórias vagas, que não conseguimos localizar no tempo, porque nunca existiram. Outras vezes, são imagens que aparecem, espontaneamente, na nossa cabeça, mas como se já nos perseguissem há muito. Outras vezes ainda, reconhecemo-nos, repentinamente, como nunca, numa coisa, que parece concentrar, em todas as suas partículas, todo o nosso ser.
Nos últimos meses, tenho andado completamente, completamente, apaixonada por curvas e, no meu percurso "back to the classics", regressei, também, a Aalto. Uma pequena aventura a que os Eames, por exemplo, também, pertencem. Ainda não consigo localizar, com precisão, esta minha paixão. É um hábito que tenho. Também, sobre ele já falei aqui, sobre as coisas de que gostamos e que, constantemente, reaparecem na nossa história, construindo em nós mesmos, outras histórias, paralelas, que são apenas delas. Creio que, para mim, essa é uma tarefa facilitada por um outro hábito que tenho, o de guardar tudo: papéis, caixas de perfumes, extractos de jornais, recortes de revistas, etiquetas... enfim, um conjunto de coisas inúteis, sem um significado específico, mas que eu, passado algum tempo, resgato e construo sobre elas uma memória em nada acidental, atribuindo-lhes, se for preciso, todo o significado do mundo! Como se estivesse sempre ali e eu apenas o pudesse ver naquele momento (é por isso, também, que tenho esse outro hábito, de vez em quando, ver tudo quanto já guardei). Inevitavelmente, a minha mãe sofre imenso com este meu hábito e não consegue, simplesmente, não consegue perceber a quantidade de desperdícios, que eu teimo em guardar nos armários. A minha justificação é sempre a mesma: muitas das ideias que tenho são inseparáveis desse amontoado de desperdícios. Não posso dizer que exista uma relação causal. Não, não creio. É bastante mais complexo do que isso. No outro dia, estava a ver, pela primeira vez (sinceramente, nem sei como demorei tanto tempo a vê-lo, fazendo-me sentir que perdera algum tempo de mim mesma), "A Ciência dos Sonhos", de Michel Gondry, e, na sequência inicial, Stephane explica como é que se constroem os sonhos. Fiquei empolgadíssima, pois é exactamente (e inconscientemente, também, tal como no próprio filme... ou não?) o mesmo "método", que sigo para as minhas ideias.
Regressando às curvas. Consigo, perfeitamente, construir um percurso, juntar algumas imagens marcantes, que me influenciaram e continuam a influenciar: a jarra Savoy de Aalto, a folding wall screen dos Eames, a parede semicircular da casa Tugendhat ou, ultimamente, as curvas da Fundação Iberê Camargo de Álvaro Siza, que, quando vejo a maqueta, me sinto impelida a acariciar, a sentir na palma das mãos aquela superfície, como se as minhas mãos pudessem compreender melhor a beleza daquela paisagem... sim, uma curva será sempre uma paisagem e relembro os últimos quadros de Bacon! Oh, há muito que não os via na minha cabeça, que agradável surpresa! Continuando, até consigo encontrar referências concretas. Lembro-me, por exemplo, do que o Professor Hestnes e o Professor Vítor Figueiredo diziam sobre as curvas, transformando-as num objectivo a perseguir. Saber desenhar uma curva: um sonho, um desejo. E agora, agora ando a pensar e a desenhar um projecto que persegue tudo isto, que contém tudo isto. Mas, de que me serve estar a pensar sobre esse caldeirão que contém todas as minhas ideias, quando elas só aparecem quando querem? De nada. Mas gosto de pensar por que é que determinadas ideias ocorrem na minha cabeça...
(Fica aqui essa sequência inicial de "A Ciência dos Sonhos".)