A harpa dourada
Foi quase uma experiência etérea. A sombra parecia a silhueta de um desses estranhos seres. Os dedos desfigurados, desproporcionados, extremamente compridos, como os dos fetos em início de desenvolvimento. Os gestos inquietos, como se quisessem tocar, com todos os poros da superfície da pele, o intocável. Como diz Mr. Z.: "Num segundo, estamos lá". É incrível, o poder da música. Raramente, consegui abrir os olhos. Uma força maior empurrava-me para aquela que foi uma das experiências mais extraordinárias em concertos. De olhos fechados, parecia flutuar (e o verbo parecer é, aqui, demasiado ingrato e, no entanto, não poderei dizer flutuar...).
A imagem é estranha. Uma rapariga, de aspecto frágil, segura, no seu ombro, uma enorme harpa dourada. A harpa não é um instrumento leve e, no entanto, o som que dela sai só conhece a leveza. Talvez não seja apenas o som que encanta (nem a estranheza que também seduz), mas os movimentos das mãos que tocam a harpa e fazem nascer esses estranhos e leves sons. Na sombra, os movimentos das mãos parecem irreais, impossíveis para um corpo banal. Com nenhum outro instrumento, os movimentos das mãos atingem esta beleza e leveza. Nem mesmo com o piano. E, se recordarmos, facilmente virão, à nossa cabeça, imagens filmadas de mãos a tocar piano, num momento em que as mãos atingem uma beleza superior, como se só elas conhecessem a música, como se elas fossem a música que tocam. Mas creio que não igualam a beleza dos movimentos das mãos que tocam harpa.
A imagem é estranha. Uma rapariga, de aspecto frágil, segura, no seu ombro, uma enorme harpa dourada. A harpa não é um instrumento leve e, no entanto, o som que dela sai só conhece a leveza. Talvez não seja apenas o som que encanta (nem a estranheza que também seduz), mas os movimentos das mãos que tocam a harpa e fazem nascer esses estranhos e leves sons. Na sombra, os movimentos das mãos parecem irreais, impossíveis para um corpo banal. Com nenhum outro instrumento, os movimentos das mãos atingem esta beleza e leveza. Nem mesmo com o piano. E, se recordarmos, facilmente virão, à nossa cabeça, imagens filmadas de mãos a tocar piano, num momento em que as mãos atingem uma beleza superior, como se só elas conhecessem a música, como se elas fossem a música que tocam. Mas creio que não igualam a beleza dos movimentos das mãos que tocam harpa.
Já algum tempo que ando a pensar nos concertos a que assisti e assisto (no sentido que recordo frequentemente os que já assisti e penso nos que assistirei ainda). Por exemplo: os concertos dos Pixies. Os Pixies, praticamente, não falam. Não interagem com o público (como muitos repararão). Mas os seus concertos são únicos, extraordinários! Quando sobem ao palco, os primeiros são os últimos acordes. Não param. Não pensam. O ritmo é crescente. De canção para canção, o som é mais forte, o ritmo mais veloz, até atingir o auge. E aí, o concerto termina. O público vê-se aflito para pedir mais uma canção, de tão estonteante que fora tudo até àquele momento. O corpo parece rebentar (o mesmo problema de há pouco com o verbo parecer). Já é tradição ver os concertos dos Pixies com o Gonçalo e acontece sempre a mesma coisa. Os nossos pés mal tocam o chão.
O exemplo contrário pode ser o de um concerto recente, o dos Scissor Sisters. Uma perfeita mise-en-scène seria de esperar. Mas, o que torna este concerto tão especial, é a caracterização de duas personagens, que se desdobram em palco, continua e crescentemente. Mesmo que existam muito próximas do que são (Jake: "Beside the lady I am, another lady... miss Ana Matronic!" E o público ri e aplaude!), esse desdobramento é claramente perceptível e os sucessivos passos rigorosamente estudados, como as entradas e as saídas de palco ou as mudas de roupa. E a ligá-los, precisos diálogos, aparentemente espontâneos, que levam o público ao delírio.
Guardo momentos muito especiais de alguns concertos: a chuva de balões prateados no final do concerto dos Pulp no primeiro aniversário do Razzmatazz; dançar em palco com os Kings of Convenience e com a plateia quase inteira da Aula Magna a saltar e a cantar "I'd rather dance than talk with you..."; o meu estado febril no concerto dos Fischerspooner, que me impediu de estar na primeira fila, mas não me impediu de dançar; o meu primeiro concerto dos Divine Comedy, no fim do qual conheci o Neil Hannon e pude constatar que ele é mais ou menos da minha altura... Bons momentos... E que frustração não poder ir a todos os concertos que gostaria.
O exemplo contrário pode ser o de um concerto recente, o dos Scissor Sisters. Uma perfeita mise-en-scène seria de esperar. Mas, o que torna este concerto tão especial, é a caracterização de duas personagens, que se desdobram em palco, continua e crescentemente. Mesmo que existam muito próximas do que são (Jake: "Beside the lady I am, another lady... miss Ana Matronic!" E o público ri e aplaude!), esse desdobramento é claramente perceptível e os sucessivos passos rigorosamente estudados, como as entradas e as saídas de palco ou as mudas de roupa. E a ligá-los, precisos diálogos, aparentemente espontâneos, que levam o público ao delírio.
Guardo momentos muito especiais de alguns concertos: a chuva de balões prateados no final do concerto dos Pulp no primeiro aniversário do Razzmatazz; dançar em palco com os Kings of Convenience e com a plateia quase inteira da Aula Magna a saltar e a cantar "I'd rather dance than talk with you..."; o meu estado febril no concerto dos Fischerspooner, que me impediu de estar na primeira fila, mas não me impediu de dançar; o meu primeiro concerto dos Divine Comedy, no fim do qual conheci o Neil Hannon e pude constatar que ele é mais ou menos da minha altura... Bons momentos... E que frustração não poder ir a todos os concertos que gostaria.
1 Comments:
With your feet in the air, and your head on the ground...
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