terça-feira, outubro 25, 2005

O horror

Não podia ser pior. Arrepio-me sempre que entro por aquela porta. A porta que nunca sei abrir. Sei, mas faço sempre por esquecer como se abre. Talvez porque desejaria nunca ter que a abrir. Mas quase todos os dias a abro. E sei o que me espera três andares abaixo daquele em que a abro. O elevador é mais rápido do que aquele nos edifícios vizinhos. Também não esperam por ele aquelas centenas de pessoas às três da tarde (normalmente...) que depois desatam a correr para não correrem o risco de ficar à espera do outro. O cheiro também não é o mesmo, é diferente. Mas o ar... o ar causa-me náuseas e arrepios, uma sonolência no corpo, uma dormência na cabeça... É raro o dia em que não suba de volta à superfície agoniada pelo que sinto naqueles breves minutos na minha visita àquele local. Também é este um momento fora de mim. Aquela é a realidade de... nem sei quantificar quantas pessoas! Milhares? Sim, deverão ser milhares de pessoas. Mas de algumas conheço-lhes o rosto. O silêncio. O olhar. A espera. E tudo. Tudo por entre uns minutos que parecem ser sempre infinitos ou mesmo inexistentes, porque é um tempo que não se quantifica, é um não-tempo. Daria todo o tempo para nunca mais voltar ali. Ou para que o meu tempo se suspendesse naquele preciso momento em que eu abrisse a porta, me transformasse em bola de sabão, flutuando no ar me dissolvesse por entre as pequenas partículas, que ainda restam, de alegria naquelas vidas. Aquelas não gosto eu de observar. Desvio-lhes o meu olhar. Tenho medo. Muito medo de olhar para elas e ver todo o seu horror. Pressinto-o e imagino-o muito maior, infinitamente maior, naquilo que elas me diriam. Pelo olhar, pelo silêncio. Mas seria certamente imenso. Uma olho-a em particular e a dor é inefável. Só consigo... aguentar. Dificilmente. Mas ajuda pensar: falta pouco. Em breve esquecerei todo aquele mundo, voltarei a ignorar todo aquele horror e a julgar que há coisas que só acontecem aos outros. Não o digo com ironia, nem com desprezo... apenas com vontade de nunca mais abrir aquela porta. Dói demasiado. E naquele falso jardim, três andares abaixo, não há coelhos a saltar.