Eu e as palavras por estes dias
Tenho-me resguardado das palavras, talvez porque esteja a passar por um momento de saturação. Tudo o que vejo à minha volta é palavras. Já não vejo coisas. Nem coisas-palavras. Apenas palavras. Todavia, aconteceu-me algo de curioso há uns dois dias atrás e o acto parece ter permanecido com a mesma brevidade com que apareceu na vontade das minhas mãos. Estava eu a ler Mille Plateaux (e a reler constantemente cada palavra, cada frase que passa, com medo de deixar passar alguma palavra ou frase intermitente), quando, subitamente, esmaguei o livro com o meu computador. Apetecia-me, realmente, coisa que já não acontecia em mim há algum tempo, escrever a introdução do meu trabalho para o seminário do José. A curiosidade está no facto de ter assumido isso logo nas primeiras palavras que saíram de mim. Aquilo que estava no momento a escrever era para ser lido nos mesmos instantes que pulavam quando eu trocava os dedos e constituíam uma história cujo desfecho desconhecia. Seria qualquer coisa como uma introdução "in progress" ou "under construction." Escrevi uma página e meia de enfiada. Hoje, imprimi-a para ver os erros. Continua tudo lá. A vitalidade que senti entre as minhas mãos e as minhas palavras, a força, a sedução de algo que poderá nunca conhecer o seu efectivo lugar no trabalho (mas, pela minha rebeldia, creio que acontecerá, exactamente, o contrário; e agora solto um sorriso atrapalhado com uma gargalhada). Mas também assim permaneceu. As palavras não desapareceram, mas voltaram a obrigar-me àquela exactidão dos enunciados. Talvez seja mais por esta razão que me resguarde das palavras e não tanto pelo devaneio que me causam por vezes. Esse acolho-o sempre. E desejo-o sempre.
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