terça-feira, novembro 01, 2005

O retorno (sem conotações)

Tenho uma enorme dor de cabeça há vários dias e ainda por cima deve ter criado por mim um sentimento de pertença porque teima em não me abandonar. E logo hoje que comecei a ler Francis Bacon: logique de la sensation, de Deleuze. Não passei do primeiro capítulo. Já não estou habituada a ler em francês e a dor de cabeça, teimosamente, também não permitiu qualquer esforço da minha parte. Até Sexta, tenho que ler, pelo menos, até ao sétimo capítulo. Pensei, então, que a minha dor de cabeça deveria provir de alguma causa não muito estranha ou alheia à minha rotina nos últimos dias. Excesso de vitaminas? Não creio, alguns ingredientes têm que compensar a ausência de jantar. Ontem havia chovido torrencialmente durante todo o dia, tal como nos dias anteriores. A chuva também teima em caracterizar-me o dia. Mas hoje, de facto, ainda não chovera e o céu até parecia azul, nada que tivesse a ver com a minha dor de cabeça. Falta de ar? Que ideia! Sim, falta de ar, falta de uma respiração mais ofegante, gritante, de passos acelerados ao passo da extraordinária leveza dos meus headphones. Já não andava há tanto tempo! As constantes viagens e as obrigações profissionais têm-me prendido a um assento. Mesmo que corra de um lado para o outro, ele está lá. Mesmo que descanse ou não, ele continua a relembrar-me constantemente que tenho de me sentar. E não posso parar. Ironia, não?! Que se lixe a Figura, vou tratar da outra! Não que tenha uma especial obsessão pela minha figura ou que ande a pé aceleradamente a pensar na balança e no sorriso de ver o ponteiro oscilar entre quarenta e cinco quilos e meio – quarenta e seis quilos, mas porque sinto mesmo falta de ar. Aquele ar que se move enquanto percorro o jardim linear do vale das Flores não é certamente o mesmo que o ar que se move quando me deixo ficar sentada a pensar na Figura. Penso que a minha dor de cabeça é exactamente a minha cabeça a pedir outro ar. Porquê parar? Os efeitos ainda não se notam, a causa, no entanto, desapareceu. Será cedo ainda para dizer que era disto que precisava? Não. Sinto-me renovada! E que bom que é sentir o tempo retornar (sem conotações, Deleuze ficou em cima do estirador).
Um acto tão simples quanto este ou actos tão simples (e tão comuns e tão deliciosamente bons) quanto vestir um fato de treino, calçar umas sapatilhas, pôr o ipod em shuffle... e eis que a vida regressa de outra forma. É um mistério! E como a minha cabeça recusa ouvir determinadas músicas de outrora (que alguns tempos fiquem onde estão) e selecciona outras, diria de hoje?!, que, no entanto, qual dor de cabeça, me redireccionam para essas gavetinhas atemporais da memória. Não interessam os significados originais. O mais certo é que mesmo estes são à partida adulterados e esvaziados de significado. As coisas são o que são. Mas a memória shuffle é mais tramada do que isso. Creio mesmo que não só impede um puro deleite das coisas (porque devem ser o que são), como as torna saturadas de significado. E a cada selecção vem tudo ao de cima outra vez. Contradição, não?! Sim, porque não?
O retorno que devia ser das coisas mais aprazíveis e libertadoras do acontecimento (e se se quiser, aqui até pode existir uma conotação ou outra...) tornou-se num singular momento de alucinação. A culpa, direi eu a ilibar-me a mim própria, foi da música. Ora ouça-se, em modo shuffle ou não.

"Where were you when I fell from grace
Frozen heart, an empty space
Something's changing, it's in your eyes
Please don't speak, you'll only lie
I found treasure not where I thought
Peace of mind can't be bought
Still I believe

I just hang on
Suffer well
Sometimes it's hard
It's hard to tell

An angel led me when I was blind
I said take me back, I've changed my mind
Now I believe
From the blackest room, I was torn
He called my name, a love was born
So I believe

I just hang on
Suffer well
Sometimes it's hard
It's hard to tell

I just hang on
Suffer well
Sometimes it's hard
So hard to tell",
Suffer Well, Depeche Mode

"Yearning for more than a blue day
I enter your new life for me
Burning for the true day
I welcome your new life for me
Forgive me, Let live me
Set my spirit free
Losing, it comes in a cold wave
Of guilt and shame all over me
Child has arrived in the darkness
The hollow triumph of a tree
Forgive me, Let live me
Kiss my falling knee
Forgive me, Let live me
Bless my destiny
Forgive me, Let live me
Set my spirit free (...)",
Man is the Baby, Antony and the Johnsons

"Eleanor put those boots back on,
Kick the heels into the Brooklyn dirt,
I know it isn't dignified to run,
But if you run,
You can run to the Coney Island roller coaster,
Ride to the highest point and leap across the filthy water,
Leap until the Gulf Stream's brought you down.

I could be there when you land
I could be there when you land

So Eleanor take a Green Point three point,
Turn towards the hidden sun,
You know you look so elegant when you run,
If you run, you can run,
To that statue with the dictionary,
Climb to her fingernail and leap, yeah,
Take an atmospheric leap,
Leap and let the jet stream set you down.

Could be there when you land,
I could be there when you land,
Could be there when you land.

So Eleanor put those boots back on,
Put the boots back on and run, run,
Come on over here, come on over here,
Come on over here...",
Eleanor put those boots back on, Franz Ferdinand

E agora: de volta a Deleuze e a Francis Bacon! Em simples rewind que de manhã ficou muito pouco...