Maria Ana - parte II
É um privilégio poder aprender sobre a Maria nas minhas aulas de mestrado. Aparentemente, não têm nada a ver uma com a outra - a Maria e as aulas de mestrado de Estética –, mas têm! E muito. Segundo Deleuze, as crianças são puro desejo. A sua condição é desejar continuamente. Dizia-nos o José, na última aula, que quando uma criança vê fogo, deseja ser fogo. E daí a eterna atracção das crianças pelo fogo ou pela água ou por tudo o que se mexe. Existe, também, essa estreita relação entre o desejo e o movimento inerente às coisas. E as crianças são puro movimento. Uma criança quando vê uns óculos, continuava o José, intercalando com um breve sorriso para dar o exemplo contrário ao da maior parte dos filósofos que tendem a referir-se a uns óculos como um objecto estático, como um conceito, não vê os óculos pousados em cima da mesa, nem isolados de tudo o resto. A criança vê os óculos em movimento, vê as possibilidades de movimento que uns óculos podem criar, as hastes a dobrar, as lentes a virar, vê o movimento da luz a perpassar as lentes, vê só movimento. E deseja, por uns instantes, ser óculos. A vida de uma criança é este "devir incessante", acrescentava José.
Tudo a propósito dos desenhos das crianças. Deleuze tem esse fascínio pelas crianças (mais uma razão porque gosto tanto de Deleuze) e diz que a única coisa que falta aos seus desenhos para estes serem arte é a consistência (ou o plano de consistência). Quando a criança desenha, o seu desenho é exactamente um plano de imanência, mas ausente de consistência. Faltam-me ainda muitas e muitas e muitas palavras para tentar explicar o que são esses dois planos e, por agora, também não são importantes as suas definições (se é que existem, porque não podem de algum modo ser estáticas... com um sorriso nos lábios qual José a falar dos filósofos). Mas foi exactamente após estas palavras do José e ao começar a dar um exemplo, que eu me lembrei da Maria e de algo que nunca tinha percebido inteiramente. A Maria adora gatos (e cães e pássaros e sapos e cavalos e tudo e tudo) e quando desenha um gato (vamos ver se sou capaz de demonstrar!), pega num lápis e está continuamente a desenhar o gato ou continuamente a descrever movimentos no seu desenho ao mesmo tempo que nos diz que é um gato. Para a Maria, é muito simples: o gato é os movimentos que ela descreve com o seu braço e que ficam registados na folha de papel como circunferências disformes (enchem a folha inteira!). É o movimento que é, para a Maria, o gato. Quando pára de desenhar, a Maria atira logo a folha de papel para o chão e começa a desenhar outro gato. Já não é aquele gato que ficou registado na folha de papel, agora no chão, que lhe interessa. Aquele já não é um gato, nem o desenho de um gato. É uma folha de papel no chão que daí a uns instantes está a rasgar e a espalhar os pedacinhos pela sala. Eis algo de extraordinário na Maria (e em todas as crianças, claro, mas posso acompanhar a Maria de perto e agora saber por que é que ela é assim... excepcional)!
Tudo a propósito dos desenhos das crianças. Deleuze tem esse fascínio pelas crianças (mais uma razão porque gosto tanto de Deleuze) e diz que a única coisa que falta aos seus desenhos para estes serem arte é a consistência (ou o plano de consistência). Quando a criança desenha, o seu desenho é exactamente um plano de imanência, mas ausente de consistência. Faltam-me ainda muitas e muitas e muitas palavras para tentar explicar o que são esses dois planos e, por agora, também não são importantes as suas definições (se é que existem, porque não podem de algum modo ser estáticas... com um sorriso nos lábios qual José a falar dos filósofos). Mas foi exactamente após estas palavras do José e ao começar a dar um exemplo, que eu me lembrei da Maria e de algo que nunca tinha percebido inteiramente. A Maria adora gatos (e cães e pássaros e sapos e cavalos e tudo e tudo) e quando desenha um gato (vamos ver se sou capaz de demonstrar!), pega num lápis e está continuamente a desenhar o gato ou continuamente a descrever movimentos no seu desenho ao mesmo tempo que nos diz que é um gato. Para a Maria, é muito simples: o gato é os movimentos que ela descreve com o seu braço e que ficam registados na folha de papel como circunferências disformes (enchem a folha inteira!). É o movimento que é, para a Maria, o gato. Quando pára de desenhar, a Maria atira logo a folha de papel para o chão e começa a desenhar outro gato. Já não é aquele gato que ficou registado na folha de papel, agora no chão, que lhe interessa. Aquele já não é um gato, nem o desenho de um gato. É uma folha de papel no chão que daí a uns instantes está a rasgar e a espalhar os pedacinhos pela sala. Eis algo de extraordinário na Maria (e em todas as crianças, claro, mas posso acompanhar a Maria de perto e agora saber por que é que ela é assim... excepcional)!
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