terça-feira, novembro 08, 2005

Maria Ana

A Maria Ana é uma miúda excepcional! Estranho seria dizer o contrário, uma vez que a Maria é minha sobrinha. Mas isso é aqui um pequeno pormenor, embora deva acrescentar que a minha relação com a Maria é tão especial, que um amigo meu costumava dizer: "Susana, estás a entrar outra vez em delírio mariano!". E continua a ser verdade. Sempre que falo da Maria a alguém, os meus olhos explodem de alegria e raras são as ocasiões, raríssimas, em que consigo conciliar as minhas palavras com tamanho sentimento. É imenso! Acho mesmo que a expressão "delírio mariano" é a que resume melhor esse meu estado quando falo da Maria. Mas, como disse, não era isso que eu queria apontar. É uma outra história.
Do princípio: a Maria Ana é uma miúda excepcional! Como todas as meninas, e meninos também (suponho...), de dois anos, gosta de andar a correr e a saltar, a correr e a saltar, à volta da mesa, enquanto vê o Noddy na televisão. O Noddy, para os que não o conhecem, é um boneco que parece fazer as delícias dos mais pequeninos. Imagino que seja do seu ar de duende encantado, de chapéu azul com um guizo amarelo na ponta e casaco vermelho a combinar com um lenço às bolinhas amarelas. O que de certeza também seduz a Maria é o carro que o Noddy tem. "Uau!", como diz a Maria. Di-lo, aliás, muitas vezes e sobre todas as coisas que, aos seus olhos grandes e redondos, parecem ser sempre fantásticas. O carro do Noddy e, sobretudo, a buzina do carro do Noddy são, de certeza, motivo para tal exclamação da Maria. Um dia obrigou-me a pôr o Noddy no computador. Sabia perfeitamente que podia ver o Noddy no computador e, inclusive, imprimir as imagens do Noddy para depois pintar. Mal ela sonha que o Noddy vem cá, qual estrela pop, ao Pavilhão Atlântico! A Maria sabe até a música de cor... E o nome de todas as personagens... Aqui está o problema! A Maria gosta tanto, mas tanto, da personagem de uma macaca chamada Marta, que julga ela própria chamar-se Marta. "Maria Marta", diz a Maria sempre que alguém lhe pergunta o nome. Se alguém a corrige - "não é Maria Marta, é Maria Ana" – a Maria bate o pé e grita com toda a força que tem: "Maria Martaaaaaaa"! E ela tem aquela vozinha doce, mas toda determinada, a que é impossível resistir. Eu, a brincar, digo ao meu irmão que isto já faz denotar uma certa adulteração na pessoa da Maria. A Maria não quer simplesmente ser Maria Ana. Quer ser Maria Marta. Até pode ser por gostar tanto da macaca, de facto, de vez em quando, lá anda a dizer que "é uma macaca". Mas, poucos minutos depois, está no chão a dizer que é um gato! E tanto macaca, como gato, está só a "imitar" uma macaca ou um gato. Nada demais. No entanto, quando altera o seu nome e recusa o nome que é dela, creio que a Maria está a pensar que pode realmente escolher o seu nome. E tem razão. A Maria conhece-se a si enquanto Maria Marta. Deveria, então, chamar-se Maria Marta. Por que é que não escolhemos o nome pelo qual nos conhecemos a nós próprios? Não o nome pelo qual nos chamam, mas o nome pelo qual nos conhecemos. À medida que vamos aprendendo o nome das coisas, também vamos aprendendo o nosso nome. E este nome pode ser exactamente aquele que elegemos para nos chamarmos a nós próprios. Também isto não deveria ser nada demais.
A alteração do nome pela Maria é, também, evidentemente um sinal da sua forte personalidade. E a Maria tem toda a consciência disso, aliás, reforça isso mesmo com o bater do pé e o ar zangado quando lhe dizem que ela não se chama Maria Marta, mas Maria Ana. E eu confesso: é adorável e às vezes provoco-a de propósito...